Fundadora do Ni Una Menos diz que luta contra violĂȘncia machista leva tempo
Buenos Aires – As argentinas prometem fazer barulho nesta quarta-feira (8), Dia Internacional da Mulher. Ao meio-dia, elas farĂŁo uma pausa e sairĂŁo Ă s ruas para apitar, bater palma e tocar tambor – ou qualquer coisa que contribua para o “ruidazo” (ruĂdo enorme). No final da tarde, elas prometem marchar contra a violĂȘncia machista que, na Argentina, mata uma mulher a cada 37 horas.
A manifestação foi convocada pelo movimento Ni Una Menos (Nem Uma a Menos), que nasceu na Argentina em 2015, depois de um assassinato que chocou o paĂs. Chiara Paez, de 14 anos, foi morta a pauladas pelo namorado, de 16. O corpo da adolescente grĂĄvida foi encontrado na casa dos avĂłs do rapaz, levando a Justiça a suspeitar de que ele teria cometido o crime com a ajuda dos parentes.
Dois anos mais tarde, o movimento argentino cruzou fronteiras, inspirando outros na AmĂ©rica Latina e na Espanha, e seu slogan foi incorporado Ă fala de polĂticos.
No discurso de abertura das sessĂ”es legislativas, na Ășltima quarta-feira (1Âș), Macri prometeu combater a pobreza, a inflação, a corrupção, o narcotrĂĄfico _ e tambĂ©m o feminicĂdio. “Todos nos unimos ao grito Ni Una Menos”, disse.
A jornalista e escritora Marta Dillon, uma das fundadoras do movimento, diz que a violĂȘncia machista nĂŁo se restringe ao feminicĂdio: abarca toda forma de violĂȘncia fĂsica, psicolĂłgica, social e econĂŽmica. “Ă uma causa que unifica. Muitos sĂŁo contra o aborto, mas quem vai ser contra um movimento que defende a vida das mulheres?”, pergunta Marta. Apesar do consenso e de milhares terem voltado Ă s ruas em outubro passado, vestidas de luto, a violĂȘncia de gĂȘnero persiste.  “NĂŁo Ă© algo que se pode mudar de um dia para o outro”, diz Marta. “Qualquer mudança, que mexe nas estruturas, leva tempo e provoca reaçÔes. Temos que continuar a luta”, acrescentou.
Ăs vĂ©speras do Dia Internacional da Mulher, Marta Dillon conversou com a reportagem da AgĂȘncia Brasil. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
AgĂȘncia Brasil: Que outras reivindicaçÔes farĂŁo no Dia da Mulher?
Marta Dillon: Somos contra um sistema patriarcal, que subjuga a mulher, nĂŁo apenas com a violĂȘncia, mas tambĂ©m pagando menos pelo mesmo trabalho. As mulheres trabalham, em mĂ©dia, trĂȘs horas a mais que os homens, se contarmos o tempo que dedicam Ă s tarefas domĂ©sticas e Ă famĂlia. E ganham 27% a menos. Ou seja, se fizermos os cĂĄlculos e formos comparar, trabalhamos cinco horas por dia sem qualquer remuneração.
AgĂȘncia Brasil: Como serĂĄ a greve do dia 8?
Marta: Aqui, na Argentina, serå uma greve simbólica, porque entendemos que na atual conjuntura econÎmica, nem todo mundo pode parar. Mas pedimos que quem possa pare pelo menos uma hora, só para chamar a atenção para a situação da mulher. Não queremos flores. Queremos respeito no mercado de trabalho.
AgĂȘncia Brasil: Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, apesar da divulgação de uma gravação com comentĂĄrios ofensivos em relação Ă s mulheres. Na Argentina, a violĂȘncia de gĂȘnero continua sendo notĂcia, apesar de o paĂs ter uma vice-presidente mulher e atĂ© uma lei proibindo cantadas ofensivas. VocĂȘ acha que, na prĂĄtica, houve alguma mudança?
Marta: Nos Estados Unidos, Trump foi eleito presidente, mas no dia seguinte houve uma enorme manifestação, convocada pelas mulheres. E [o protesto] nĂŁo foi apenas contra seu discurso misĂłgino, mas tambĂ©m contra todo tipo de discriminação. E tanto a gravação, como as crĂticas aos comentĂĄrios de Trump, foram notĂcia no mundo. NĂŁo passaram desapercebidas, como algo comum ou natural.
Isso Ă© sinal de que estĂĄ havendo uma mexida nas bases da sociedade e isso incomoda muita gente. As pessoas tĂȘm medo do novo e o que estamos propondo Ă© uma mudança numa estrutura que sempre foi patriarcal. Na Argentina, chama a atenção a brutalidade de alguns desses crimes contra as mulheres. Ă como se os homens sentissem a necessidade de usar mais violĂȘncia para mostrar que ainda podem domesticar as mulheres. Mas nenhuma mudança cultural Ă© feita de um dia para outro.
AgĂȘncia Brasil: Quais os planos para conseguir o que querem?
Marta: As Mães da Praça de Maio marcharam 40 anos para conseguir colocar os repressores da ditadura (1976-1983), responsåveis pela morte de seus filhos, atrås das grades. Espero não termos que marchar 40 anos para ver uma mudança (risos). Mas se for necessårio, marcharemos.