Regras para Uber e 99: PL prevê representação sindical e jornada máxima de 12h por dia
Negociação de benefícios e de reajustes que extrapolem a correção do salário mínimo deverão ser objeto de acordo ou de convenções coletivas, intermediadas por representações sindicais
O projeto de lei que regulamenta o trabalho de motoristas de aplicativos como Uber e 99, apresentado nesta segunda-feira (4) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prevê a organização de trabalhadores e de empresas por meio de sindicatos. A negociação de benefícios, como o pagamento de vale-refeição, e de reajustes que extrapolem a correção do salário mínimo deverão ser objeto de acordo ou de convenções coletivas, intermediadas por representações sindicais.
Com isso, o Governo poderá inserir na rotina sindical 778 mil trabalhadores – número verificado pelo IBGE em 2022 para os motoristas de aplicativos de transporte de passageiros. Ao todo, segundo o IBGE, 1,5 milhão de pessoas trabalhavam em aplicativos de transporte, dos quais fazem parte os motoristas e os entregadores, que usam moto ou bicicleta para trabalhar.
O Governo anunciou nesta segunda-feira a formalização do acordo entre empresas e motoristas. Um projeto de lei será enviado ao Congresso com pedido de tramitação em regime de urgência. A regulação do trabalho por aplicativos foi uma das promessas que Lula fez ainda durante a campanha eleitoral, pela qual ele vinha sendo cobrado por apoiadores. Por falta de acordo, os entregadores sobre duas rodas ficaram de fora da atual regulação.
Sondagens feitas com os trabalhadores de aplicativos indicam que são uma classe avessa às convenções da CLT, que regula as relações formais de trabalho, e que se enxerga mais como empreendedora do que como um trabalhador formal assalariado.
Esse foi um dos pilares que nortearam a negociação que durou todo o ano passado e que deveria ter sido concluída a tempo de o projeto de lei começar a tramitar ainda em 2023, o que acabou não acontecendo.
“Trabalhadores estavam sendo escravizados”
Em seu discurso, o ministro do Trabalho Luiz Marinho (PT) fez referência à dificuldade de atender à exigência dos trabalhadores e disse acreditar ter encontrado uma fórmula intermediária.
“O que mais ouvimos de trabalhadores é: ‘nós não queremos ser enquadrados na CLT, queremos uma coisa nova”, disse Marinho. “O que nasce aqui é a organização de uma categoria diferenciada, autônoma com direitos – que é exatamente o que os trabalhadores pediam. Eles pediam autonomia, não queriam estar rígidos. O problema é que essa liberdade até então era uma liberdade falsa, porque os trabalhadores estavam sendo escravizados por longas jornadas e baixa remuneração.”
A exigência de representação sindical desagrada às empresas, principalmente as grandes do setor, que preferem negociar acordos coletivos sem a intermediação de sindicatos.
Questionado se a representação sindical fará com que os trabalhadores passem a recolher contribuição de trabalhadores, Marinho afirmou que o tema ainda está em negociação.
“Sobre a contribuição negocial, estamos alguns degraus distantes nesse momento. Não é nessa mesa que vamos discutir qualquer nível de contribuição. É um tema que está sendo discutido com as centrais e com representantes dos empregadores. Não é aqui nessa mesa que vamos fazer esse debate”, disse o ministro.
Remuneração e jornada diária de trabalho
No projeto de lei apresentado pelo governo, há a previsão de uma remuneração mínima aos motoristas, de R$ 32,10 (incluindo despesas para a manutenção do veículo e do celular), e de contribuição previdenciária. O texto também limita em 12 horas a jornada diária de trabalho.
Segundo pesquisa feita pelo Ministério do Trabalho em agosto do ano passado, 51% dos motoristas disseram que trabalham mais de 8 horas por dia: 27% informaram trabalhar de 8h a 10h, e 24% mais de 10h por dia. Ou seja, a maior parte dos motoristas diz ter jornadas mais longas do que o convencional.
Em seu discurso, feito a uma plateia formada por sindicalistas e trabalhadores do setor, Lula celebrou a organização da nova categoria de trabalhadores e fez uma provocação sutil aos dirigentes de centrais sindicais presentes.
“Depois que vocês formalizaram a organização de vocês em 27 estados, se vocês não tomarem cuidado já foi criada a maior central sindical hoje nesse País”, disse Lula.
Apesar da fala, nem todos os estados têm sindicatos de motoristas de aplicativos já autorizados a funcionar pelo Ministério do Trabalho, o que deverá ocorrer a reboque da regulamentação.
A organização, segundo Lula, poderá levar o governo a produzir benefícios, como a concessão de crédito a motoristas.
“Daqui a pouco a gente vai ter que ver como vamos fazer, discutir com os bancos para baratear uma linha de financiamento para vocês poderem trocar o carro, não ficarem com carro velho porque o passageiro também não quer carro velho.”
iFood responde Marinho
O iFood rebateu, nesta segunda-feira, ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que havia dito que a empresa não quis fechar um acordo pelo projeto do Governo para regular essas plataformas. Os apps de entrega ficaram fora da proposta, apresentada durante a tarde, que engloba apenas os de transporte por meio de carros.
Na solenidade, realizada no Palácio do Planalto, Marinho afirmou que iFood e Mercado Livre disseram que a regulação não era apropriada para os respectivos modelos de negócio. Também afirmou que “não adianta o iFood mandar recado”, porque o Governo quer uma negociação. Lula, em seu discurso, disse que seria “prudente” a empresa negociar – mas a nota divulgada não menciona o chefe do Governo, só o ministro.
“O iFood esclarece que não é verdadeira a fala do ministro Luiz Marinho de que a empresa não quer negociar uma proposta digna para entregadores. O iFood participou ativamente do Grupo de Trabalho Tripartite e negociou um desenho regulatório para os entregadores até o seu encerramento”, escreveu a empresa.
“A última proposta feita pelo próprio ministro Marinho, com ganhos de R$ 17 por hora trabalhada, foi integralmente aceita pelo iFood. Depois disso, o governo priorizou a discussão com os motoristas, que encontrava menos divergência na bancada dos trabalhadores”, diz a nota. A empresa também afirmou que apoia uma regulamentação do setor desde 2021.