Uso de dados pessoais no combate à Covid-19 precisa ser transparente
Analista ressalta que todos os projetos que usam informações pessoais de cidadãos devem ser criados respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), ainda que ela não esteja em vigor
Uma das principais organizações de defesa de direitos digitais, a Electronic Frontier Foundation (EFF) acredita que mesmo o uso de dados agregados em projetos de combate ao coronavírus precisa ser feito de maneira transparente. Veridiana Alimonti, analista de políticas para a América Latina da EFF, considera que é necessário cuidado para que projetos pensados em uma situação de emergência não se tornem permanentes, colocando a privacidade da população em risco. “Situações de emergência não podem ser naturalizadas”, disse ela ao jornal O Estado de S. Paulo.
Em conversa com a reportagem, ela também apontou para o fato de todos os projetos que venham a usar informações pessoais de cidadãos devem ser criados respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), ainda que ela não esteja em vigor.
AE – Iniciativas de monitoramento para combate de covid-19 causam preocupação em relação à privacidade e ao direito digital?
Veridiana Alimonti – Iniciativas assim têm de ser vistas com atenção. Situações de emergência não podem ser naturalizadas. Mesmo com padrões internacionais que autorizam o uso de dados, isso não pode significar a desconsideração de outros direitos. Tem de haver transparência no início, meio e fim. Inclusive deve existir a discussão sobre se algo deve ficar.
Por que dados de geolocalização são tão sensíveis?
Esses dados são diários abertos de nossas vidas. Não são apenas das rotinas, como podem também indicar orientação sexual, preferências políticas, questões religiosas, questões relacionadas à saúde e uma série de outros elementos que são a própria definição de dados sensíveis.
Usar dados agregados não é o suficiente?
Várias pesquisas demonstram o quão simples é reidentificar esses dados quando são feitas combinações de alguns parâmetros com informações disponíveis publicamente. Dependendo dos parâmetros escolhidos, só aquele agente terá aquela informação. Em dados de geolocalização, isso é ainda mais sensível.
É problemática a existência desses projetos sem a vigência da LGPD?
Sem dúvida. É preocupante que todas essas medidas estejam em curso em paralelo a iniciativas que visam prorrogar a entrada em vigor da LGPD. Medidas para o combate ao vírus vindas do poder público e da iniciativa privada devem ter suas regras como base. O movimento de postergar sua vigência passa a mensagem contrária, justamente quando precisamos de segurança jurídica e de um arcabouço robusto de proteção. Necessidade, finalidade, adequação, balanço em relação a outros direitos do titular, prevenção, não discriminação e medidas de controle, segurança, transparência e informação são todos pontos fundamentais articulados na lei. Uma política de combate ao coronavírus que se pretenda efetiva e adequada não pode prescindir de nenhum deles.
O que pode ser feito neste momento para garantir a privacidade, além de discutir a necessidade e entender as técnicas de deixar dados anônimos?
Esses projetos precisam ser acompanhados de uma série de garantias para que não se estabeleça uma estrutura de vigilância no estado, até porque temos na América Latina um histórico de dificuldade e falta de estrutura para fazer uma fiscalização efetiva de aparatos de vigilância.