Nora Ruiz: “O livro é um manifesto de resistência ao autoritarismo”

Por Marisa Loures

Nora Ruiz
A cientista política Nora Ruiz lança “Amor e tragédia em tempos de ódio”, livro em que ela denuncia a política atual e versa sobre amor e solidariedade em tempos de ódio – Foto Arquivo Pessoal

“Amor e tragédia em tempos de ódio” (Autografia, 84 páginas) é um livro de denúncia e protesto. Cientista política que atuou como oficial da Organização das Nações Unidas para assuntos de desenvolvimento econômico/social e de direitos humanos entre 1974 e 1983, Nora Ruiz traz, em poesias e crônicas, uma forte crítica à política atual de governos autoritários no nosso país e no mundo. Ela mostra um Brasil saturado, que vive tempos sombrios, consequência de uma opressão iniciada no passado. Em “Crônica de uma tragédia revisitada”, por exemplo, a autora transporta o leitor para 1964, ano em que foi instaurada a Ditadura Militar no Brasil, e “analisa as causas do atraso de mais de meio século para a realização das reformas de base no combate às desigualdades” aqui no país. “Amor e tragédia em tempos de ódio” foi escrito, de acordo com Nora, prevendo “o caos que hoje o Brasil sofre”.

“O altíssimo número de mortes pela Covid-19 no Brasil comprova, infelizmente, o descontrole da Pandemia, causado pela incompetência, negacionismo e indiferença cruel do Governo, fato que já era previsível desde meados do ano passado, particularmente quando o Governo recusou a compra de vacinas, com antecedência, necessárias para prevenção de uma possível tragédia sanitária e demitiu o competente primeiro Ministro da Saúde, por ameaçar o seu ego de poder e glória. Daí a urgência para o leitor conhecer e reflexionar sobre os temas tratados em ‘Amor e tragédia em tempos de ódio’. A gravidade dos problemas denunciados no livro requer a urgência de desenvolvermos a capacidade de enfrentarmos as tragédias do nosso tempo, seja na situação sanitária, socioeconômica e ambiental, as quais o país necessita enfrentar agora e por muitos anos após a pandemia e o atual desgoverno”, afirma a autora, que ainda versa sobre amor, gratidão e solidariedade.

Nora Ruiz é doutora pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e é autora de “O doce e o amargo”, de 2017, e “Das brasilianas”, de 2018.

Marisa Loures – Em “Crônica de uma tragédia revisitada” você “analisa as causas do atraso de mais de meio século para a realização das reformas de base no combate às desigualdades” no nosso país. Essa tragédia apontada no título do livro já era prevista?

Nora Ruiz – Decidi analisar os fatos e denunciar as tragédias do tempo do ódio, lançando um livro de protesto e denúncias, entrelaçadas entre poesias e crônicas de amor e solidariedade, ora comparando e analisando fatos históricos da Ditadura Militar no Brasil, que durou 21 anos, a qual o atual  chefe de governo insiste em homenagear em flagrantes discursos não republicanos e ameaças à democracia. Procurei desvendar devaneios do poder em poéticas paródias da realidade, inspirando o leitor a descobrir, entre as linhas misteriosas da poesia, outros caminhos de reflexão para vencer as decepções e as tragédias da vida. A tragédia premonitória parceria antecipar a chegada dos quatro cavaleiros do Apocalipse – Da Peste, da Guerra, da Fome e da Morte. Daí a necessidade de seguir em frente sem deixar de olhar para o passado trágico da Ditadura militar do Brasil, que atrasou em mais de meio século (57 anos) a concretização das Reformas de Base propostas por Jango Goulart, necessárias para combater a pobreza, as desigualdades e promover o desenvolvimento do país. Essas Reformas estruturais e urgentes são mais urgentes ainda agora, na pós-pandemia, e requer quadros de profissionais de competência em cada um dos Ministérios, do Congresso e do Sistema Jurídico do país, em todas as instâncias. Está evidente que o atual Governo não tem competência nem vontade política para executar um programa competente de reformas de base, já que acha que todo profissional competente e ambientalista é comunista.  Assumi a tarefa de escrever “Amor e tragédia em tempos de ódio” exercendo a responsabilidade de cidadã consciente, como cientista política, ex-educadora sanitária do Ministério da Saúde, e, especialmente, como ex-oficial das Nações Unidas para assuntos de desenvolvimento econômico/social e de direitos humanos. Não podemos admitir um Governo que ignora a ciência e determina por conta própria o que é certo e errado na Saúde, na produção de vacinas e nas medidas de contenção da circulação do vírus, desrespeitando a Ciência, demitindo e discriminando profissionais competentes em todos os Ministérios e setores das atividades para o desenvolvimento do país. Com a demissão do primeiro Ministro da Saúde e de sua equipe, assim como com a demissão de cientistas renomados do IMPE, ICMBio para a conservação da Amazônia e do Meio Ambiente, ficou evidente que a demora na compra das vacinas era deliberada porque o Governo já temia que os panelaços e carreatas que já se manifestavam pelo impeachment do presidente, e com o povo vacinado e protegido da Covid-19, permitiriam que o povo tomasse as ruas exigindo o impeachment. O Governo já marcava seu percurso nefasto, desde os primeiros dias do governo atual, anunciando tempos de tragédias e ódio. Desejo que o leitor leia, com urgência, livros e textos que analisem a realidade trágica do momento que vivemos, na tentativa de encontrar amor e forças para que possamos refletir com sabedoria e transparência, para superar as tragédias que o Brasil está enfrentando nesses momentos angustiantes de pandemia e desvarios de um governo desgovernado que pode até mesmo nos levar ao obscurantismo do neo-fascismo  e ao atraso social, econômico e político. Hoje, a pobreza e as desigualdades estão claramente escancaradas pela tragédia da Covid-19, no Brasil, assim como o teatro do absurdo dirigido pelo Ministério do Ódio e do negacionismo oportunista e ignorante. A destruição da Amazônia e do meio ambiente alimenta a esperança da Grande Revolução Ecopolítica do século XXI que já está em curso em todo o mundo, para proteger a Amazônia e o Meio Ambiente, diminuindo a polarização ideológica entre esquerda e direita, implementando uma Nova Ecosofia Social Mental e Ambiental como proposta por Felix Guattari. Durante a Ditadura, os mais competentes e renomados cientistas e líderes do país foram perseguidos, presos, e exilados e tratados como comunistas indiscriminadamente, muitos foram torturados e mortos sem piedade e sem o respeito aos Direitos Humanos Declarados desde 1948, após a segunda Guerra Mundial, e pela Carta das Nações Unidas sobre Direitos Humanos Universais.

– Seu livro traz uma forte crítica política. Alguns autores preferem manter esse assunto longe da literatura. Hoje, mais do que nunca, a sociedade Brasileira precisa muito da opinião dos escritores?

A palavra escrita e publicada em livro é uma necessidade urgente e constante para pesquisar, analisar e apontar possíveis causas de tragédias, resolver conflitos e problemas do desenvolvimento sustentável, principalmente, em tempos de ódio e autoritarismos. Analisar decisões de chefes de Estado deve ser uma constante na pauta da literatura de crítica e de protesto político-social. Nada mais consequente que, como cientista política e cidadã consciente, eu me lançasse com afinco na tarefa de escrever “Amor e tragédia em tempos de ódio” já no início de 2020. Os problemas atuais do nosso país estão interligados às nefastas campanhas anticomunistas e autoritárias do IBADE (Instituto Brasileiro para a Democracia) – uma ironia e afronta à Democracia Brasileira, financiada pela CIA Americana, desde 1956, para interferir na política interna do Brasil, com a conivência dos militares e milionários empresários altamente pagos pelos Estados Unidos para apoiarem o golpe militar e depor Jango Goulart da Presidência do Brasil, em 1964. Essa campanha anticomunista perdura na cabeça do chefe do governo ainda hoje, assim como entre os seus apoiadores, seja por ignorância, interesse econômico e privilégios políticos, alimentada pela velha técnica da mentira, da ignorância e do ódio. Portanto, os fatos que levaram o país à Ditadura e à intervenção dos Estados Unidos em nossa política interna, quebrando a soberania do país, com a conivência dos militares em desrespeito aos tratados internacionais de direitos políticos, econômicos e humanos aprovados, ratificados por todos os países-membros das Nações Unidas, desde a promulgação da Carta da ONU, em 26 de Junho de 1945, em vigor desde 24 de Outubro de 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, notando-se que o Estatuto da Corte Internacional de Justiça é parte integrante da Carta, desde então. Diante dos fatos, o livro é um manifesto de resistência ao autoritarismo do atual Governo, desnudando as ilusórias roupagens do suposto rei, porque, na verdade, o rei está nu e totalmente exposto no retrato trágico da tragédia da pandemia descontrolada e na tragédia desenvolvida pelos crimes do Governo contra o meio ambiente na Amazônia. O perigo de a Democracia derreter pelas mãos de lideranças autoritárias, segundo as análises históricas e análises políticas apresentadas por Steven Levitsky, coautor do livro “Como as Democracias Morrem”, acontece quando identificamos pelo menos um ou todos os seguintes quatro sinais de perigo para a Democracia: 1- rejeição às regras democráticas do jogo político; 2- negar a legitimidade dos oponentes políticos, impedindo as liberdades civis e da mídia, indicando que o político que se enquadre até mesmo num só desses critérios é motivo de preocupação para a Democracia com justiça social e o respeito aos direitos humanos e à paz; 3- toleram e encorajam a violência e 4- indicam a disposição para restringir liberdades civis de oponentes, inclusive da mídia.

– E por que optou por fazer a denúncia dessa tragédia anunciada em forma de poesia e de crônicas?

As poesias de amor e dor e de solidariedade, quando tecidas entre relatos das tragédias, ajudam a despertar no leitor a consciência, a crítica, a ética e a moral da solidariedade e responsabilidade social para o enfrentamento e superação da tragédia, assim revelada. Optei por escrever e publicar um livro de protesto em forma de crônicas e poesias para tornar mais acessível, breve e mais interessante, relatos e análises históricas complexas e difíceis de serem abordados para o público em geral. Buscando inspiração na poesia breve e densa de reflexões históricas, filosóficas e de revoltas político/sociais, encontrei a maneira mais simples e de fácil leitura na abordagem de assuntos complexos, levando o leitor a navegar não só nas palavras, mas também pelas entrelinhas dos caminhos íngremes da catarse da poesia. Nessa cadência quase musical da fala poética, o leitor pode desenvolver novas reflexões e pensamentos, escondidos em cada leitura, em diferentes momentos, que certamente estarão escondidos entre linhas e caminhos da catarse da poesia.

– Sua escrita não só denuncia, mas também fala de amor e solidariedade. É preciso de muito amor em tempos de tragédia?

A crítica política é tradição na literatura, especialmente na poesia de protesto. Inspirada na sabedoria de John Nash, Nobel de Matemática, concordamos que o amor é fundamental e transforma tudo que toca, pois Nash descobriu na sua luta contra a esquizofrenia que “somente nas misteriosas equações do amor é que qualquer lógica ou razão pode ser encontrada”. O amor está presente nas crônicas e poesias que relatam tragédias, ajudando o leitor a enfrentar com amor, sabedoria e criatividade inspiradora, sem otimismo e pessimismo inconsequentes, mas com amor e esperança, para enfrentar a tragédia. Lembrando que é preciso primeiramente admitir a tragédia e enfrentá-la com determinação e ações concretas inspiradas pelo amor e criatividade solidária.

– Os versos do poema derradeiro de “Tragédia e amor em tempos de ódio” dizem o seguinte: “Pareceu-me haver ressuscitado/ Num novo Brasil/ Mais democrático e igualitário/ Livre de tragédia e tempos de ódio.” Temos motivo para acreditar na chegada desse novo Brasil?

A poesia tem seus mistérios e muitas vezes fala de coisas que não sabemos que sabemos, na tentativa de evitar enfrentar a tragédia tal como ela é. Poesias que desabafam as dores vividas pelos que sofrem injustiças de preconceitos e discriminação contra a mulher, indígenas, negros, diferenças de gênero, acolhimento aos refugiados da fome e da guerra, contra religião, ajudam na catarse e superação de traumas e tragédias da vida pessoal e coletiva. A primeira atitude mais importante para resistir à tragédia é admitir que ela existe e que só com amor, solidariedade e conhecimento é que podemos reunir  forças para resistir ao autoritarismo e vencer a tragédia com muita reflexão, autocrítica descobrindo os mistérios da poesia. Foi assim que a “Sopa de mandioquinha” virou poesia de esperança e protesto no meu desejo de viver num Brasil sem ódio e sem tragédias fabricadas por líderes insensíveis ao sofrimento humano, a fim de manter privilégios não merecidos. Essa esperança também está na poesia “Adeus favelas e palafitas”.

“Adeus favelas e palafitas”.

Na pós pandemia
Quero plantar morangos e verduras
Viver em pequenas cidades de águas claras
Cultivar amor, natureza e justiça social
Livre das milícias assassinas
Viajar mais em trem bala que na internet
Caminhar por ruas sem lixo e esgoto

Quero a pós pandemia
Social Mental e Ambiental
Numa Nova Ecosofia Social
Da Ecopolítica sem medo

Quero lutar contra as desigualdades
Pela educação saúde e cultura de qualidade
Pelo desenvolvimento autossustentável
Pelo saneamento básico e habitação
Por trens bala e energias alternativas
Especialmente em pequenas cidades
Mais humanas que favelas e palafitas

Essa esperança, em forma de poesia, parece com um possível e audacioso  programa para um próximo Governo competente, que elimine a pobreza  e seja transparentemente democrático.

capa amoretragediaemtemposdeodio

“Amor e tragédia em tempos de ódio”

Autora: Nora Ruiz

Editora: Autografia, 84 páginas

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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