Rosa Morena fica no Calçadão da Rua Halfeld, de segunda a sexta-feira, das 9h ao meio-dia, cantando para quem passa na rua. Recebe dinheiro em uma caixinha em cima do som, e faz questão de agradecer nominalmente a cada pessoa que para, seja para deixar algum dinheiro ou mesmo só para aplaudir e escutar. Sempre está sorrindo e dançando. Atende pedidos para cantar parabéns e até as músicas preferidas de quem passa.
A emoção que sente ao ocupar esse espaço, para ela, significa poder realizar um sonho que tem desde criança, quando cantava na igreja, na sua cidade natal, Barbacena, e que também foi até o palco do apresentador Ratinho para realizar. “Eu sempre me vi como cantora, mas não tive oportunidade de me mostrar assim. Agora que estou conseguindo”, conta. Mãe solo, que perdeu uma filha por leucemia e que durante a vida inteira precisou se virar para aguentar todas as dificuldades, também é na música onde encontrou sua maior força e vontade de vida.
Aos 59 anos, mãe de três e avó de quatro, sua voz e interpretação até lembram cantoras de rádio, mas ela mesmo afirma que foi só depois de muitos anos que pode aprender a cantar desse jeito especial. “As pessoas iam aprendendo ouvindo as músicas no rádio, mas eu era bem pobrezinha, então não tinha como. Eu escutava mais outras pessoas cantando e tentava aprender. Hoje estou aprendendo mais música. Mas gosto ainda das antigas, porque tinha mais letra, mais poesia”, relembra. Ela conseguiu estudar na escola formal até a sétima série, mas depois teve que abandonar os estudos por dificuldades financeiras da família. A música, portanto, foi algo que ela foi aprendendo sozinha, e a partir desse movimento, Rosa foi percebendo que aquilo podia lhe fazer bem, e que lá ela podia deixar sua marca. “É uma coisa de que eu gosto e sei que faço bem, porque faço com a alma”, diz.
Ao longo dos anos, em Barbacena, Rosa começou a ser chamada para cantar em alguns lugares, quando algum amigo que sabia dessa paixão a indicava. Ao se mudar para Lavras, no Sul de Minas, também passou a cantar aos domingos na rua, e lá descobriu uma possibilidade que buscou explorar cada vez mais. Depois de vir morar em Juiz de Fora, há cerca de um ano, pode fazer o mesmo com mais frequência. “Eu amo a rua. Amo o entrosamento que eu tenho com o povo, é uma energia boa. As senhorinhas passam perto da gente e pedem um abraço. As crianças gostam de ir na minha caixa e colocar o dinheiro, e aí eu mexo com elas, chamo para o microfone. É gratificante ter aquela pessoa ali, que não vai ter o dinheiro, mas vai bater palma”, conta. Essa interação, para ela, só é possível com tanta liberdade nesse espaço.
Mas apesar de gostar tanto, confessa que muitas dificuldades persistem. Sua primeira caixa de som, por exemplo, foi doada por um amigo, Zé Grande. O microfone sem fio que usa é um presente recente de sua filha. “Estou comprando aos poucos pra poder ficar aqui na rua. O dinheiro da gente é um pouquinho escasso, né? Mas tem semana que dá bem, outras que dá pouco. A gente vai juntando pra pagar as contas”, diz. A motivação que encontra para continuar sempre vem, como ela mesmo afirma, das pessoas: seja o Ratinho, com quem cantou La Barca no palco em 2019, seja quem estiver sorrindo para ela na rua ou mesmo, como conta, da sua netinha. A pequena, inclusive, recentemente deu uma sugestão para a mãe: “Que tal a gente fazer igual à vovó, pegar um microfone e cantar na rua?”, conta.
Energia positiva de Rosa Morena
Rosa Morena entende que cada interpretação de música leva um pouco de quem a canta. Ela mesma, apesar de afirmar ser bem eclética, tem uma preferência por Alcione. E gosta de cantar da mesma maneira com a qual também leva a vida: “Meu jeito é de energia positiva, de sempre ver a vida por outros olhos, sem reclamar. O universo pode conspirar a favor da gente”. Para ela, cantar só com a garganta não basta, “tem que ter coração”. E não é só na música que coloca a sua energia. Durante os últimos anos, em Lavras, trabalhou vendendo chupe-chupe na rua, e pretende fazer o mesmo este ano, quando fizer verão em Juiz de Fora. É uma outra forma de complementar a sua renda, entre muitas outras com as quais já trabalhou na vida – quando era mais nova e teve seu primeiro filho, por exemplo, trabalhou em casa de família. “Meu chupe-chupe é o melhor. É muito gostoso, é grande, grosso, saboroso, põe na boca e fica uma delícia”, brinca e ri.
Apesar de contar sempre ter lutado por tudo que tem, suas vontades para si são “pé no chão”. “Eu não tenho aqueles sonhos, aquelas coisas de grandeza, sabe? Eu estou bem com a minha vida, bem com todo mundo, então está bem. Tem muita gente que reclama muito da vida. Eu agradeço muito a Deus toda hora, todo dia, todo minuto”, conta. O que mais quer, no momento, é ter um notebook para aprender melhor as músicas e gravar.
Música para esquecer
A cantora não gosta muito de falar sobre as dificuldades que já passou. Menciona, com pesar, a filha que perdeu e o fato de ter sido mãe solo – seu primeiro filho nasceu quando ela tinha 17 anos. Para passar por esses momentos, no entanto, também precisou se lembrar de quem já sabia que era: uma cantora. E é justamente na música que encontra forças quando mais precisa: “Eu canto pra esquecer, também. A música faz a gente ir pra outro lugar, ficar bem”.
Emocionada, se lembra de uma música que cantava ainda na escola, cuja letra nunca saiu da sua memória. Também conta que saber letras como de “Criança abandonada”, de Monalisa, a deixou mais forte. “Eu era tão pequenina/ Quando mamãe me deixou/ Nas ruas fiquei vagando/ Tentando encontrar amor/ Ninguém não me acolhia/ Eu não tinha lugar pra ficar/ Dormindo na sarjeta fria/ Sem pai, sem mãe, sem um lar/ Oh, mamãe/ De mim ninguém tem dó/ Oh, mamãe/ Estou sofrendo tão só”, canta.