‘Atravessado por várias camadas’: conheça César, artista independente

Cantor conta sobre os caminhos que está trilhando para conquistar seus sonhos

Por Elisabetta Mazocoli

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César canta, compõe, atua, dança e vive cada segundo de suas expressões com o objetivo de realizar seus sonhos (Foto: Débora Agostini)

Júlio César de Sousa Vieira veio de Manhuaçu para Juiz de Fora cursar Arquitetura e Urbanismo, na UFJF, tendo cantado apenas na igreja que frequentava durante a catequese. Na época, as pessoas até diziam que ele era afinado, mas não foi algo que tivesse desenvolvido de forma técnica. No entanto, há cinco anos longe de sua primeira casa, ele não é mais tão conhecido por esse nome, nem trabalha na área de seu curso. O nome artístico ‘CÉSAR’, em maiúsculo, marcou a reinvenção do jovem enquanto artista, e veio junto com o seu primeiro álbum, “Monotema”, gravado de forma independente e com lançamentos desde 2020. Para quem canta, compõe, atua, dança e vive cada segundo de suas expressões, o artista independente explica o processo que o fez entender que está trilhando um caminho para conseguir conquistar seus sonhos.

Apesar de já publicar vídeos fazendo covers de músicas de artistas que ama e de colaborar com amigos de Juiz de Fora inseridos nesse meio, César demorou a enxergar algo pelo qual era tão apaixonado como um caminho profissional. Isso só aconteceu quando um amigo resolveu interferir. “O Marcos Guilherme, meu amigo, me puxou de canto, em um sarau da UFJF, e me disse: ‘Você vai levar isso como hobby até quando?'”, relembra. Para ele, aquilo, chegou até a ser uma provocação muito engraçada e inesperada, mas logo o fez questionar os caminhos que estava seguindo. E como o amigo já era coreógrafo com anos de carreira, e entendia do meio artístico, fez com que refletisse também sobre o próprio talento. “Ele não estava falando de forma aleatória, então mexeu comigo”, conta. No final de 2019, então, reuniu alguns escritos que achava que podiam virar músicas e chamou um amigo instrumentista, Yann Okada, para que juntos transformassem aquilo em um álbum – sem a menor certeza do que daria certo.

Assim que começou esse processo de trabalhar suas músicas, no entanto, a pandemia de Covid-19 mudou drasticamente a vida dele. Conforme conta, a rotina que tinha, que era praticamente toda voltada para os estudos da faculdade, mudou completamente. Ele não pôde mais escapar: “A música não fazia parte do meu processo de desenvolvimento, mas com a pandemia, eu precisei ver isso. Foi um grande laboratório. Comecei a gravar canções no meu quarto, com o celular, e aprender sobre produção no YouTube e desenvolver esse processo cada vez mais. Olhei com mais profundidade pra uma arte que eu já tinha dentro de mim”. Logo, os escritos viraram o álbum que fala principalmente sobre afetividade, do ponto de vista de um homem preto e LGBT. “Essa foi a época em que consegui de fato sentar, ler e entender o que essas letras poderiam provocar. Lembro que só fui lançar a primeira composição, ‘O que queres de mim’, no meu aniversário, em junho. Me deu um estalo, uma urgência”, diz.

Depois que publicou essa música nas redes sociais, no entanto, também conseguiu que ela fosse gravada a partir do edital ‘Na nuvem’, da Funalfa. A primeira versão foi feita de forma remota e com menos recursos tecnológicos que a segunda, e estar em um espaço que possibilitava esse tipo de avanço para transformar a sua arte foi decisivo: “Enquanto artista independente, eu não tenho acesso a espaços de produção. Então foi uma descoberta, estar pela primeira vez em um espaço de estúdio, ouvir minha própria voz no fone, foi tudo encantador”. Desde então, no entanto, além do deslumbre, ele foi descobrindo mais sobre as dificuldades e as incontáveis etapas por trás da caminhada de um artista. Se nem tudo foram flores, no entanto, ao menos os caminhos puderam ser abençoados por sua cantora preferida e principal referência artística, Liniker. Quando ela fez um show na cidade, em 2022, reconheceu César na plateia dos covers que fazia de suas músicas e especialmente de um cover que fez de ‘Renascer’, de Xênia França. Aquilo foi totalmente inesperado para ele. “Ela me olhou e disse: ‘É César, né?’ Eu sempre fazia covers de músicas dela, mas ela nunca tinha respondido. Fiquei perdido. Ela disse no show: ‘Vi o último vídeo que você fez e amei. Me perguntou se eu era de Juiz de Fora e depois disse pra plateia: Gente, escutem ele”.

Se arriscando

Desde que César entendeu que queria ser artista, se tornou vários – o que canta, o que compõe, o que atua e o que faz todas essas coisas ao mesmo tempo, enquanto ainda trabalha como designer ou como bartender. Uma das principais revoluções em sua vida chegou através do teatro musical, quando fez uma audição, em 2022, para participar do espetáculo e de aulas para aprender sobre essa arte. “O teatro musical abriu muitas portas pra mim, principalmente do meu entendimento corporal. De estar no palco e de me relacionar com o público”, conta. Já em 2023, ele interpretou Jud Hudson, um ativista preto, na adaptação do musical ‘Hair’. “Foi incrível, porque pude ajudar a construir esse papel também, já que fala a partir de um corpo preto, e eu pude colocar minha vivência também. Quando a peça foi feita originalmente, ainda tinha uma estigmatização muito maior do homem preto, enquanto másculo, sabe? Hoje, falar sobre negritude pode ter uma diversidade muito maior. E eu passo por isso sendo atravessado por várias camadas”, explica.

Para ele, ocupar esse espaço permitiu que se tornasse outro toda vez que sobe nos palcos: “Posso ser uma persona muito mais legal, mexer com o público, envolver todos enquanto canto. Quando coloco cada um dentro do meu show, coloco uma marca daquele dia na cabeça das pessoas”. Mesmo assim, para conseguir, como ele explica, foi preciso fôlego, tanto no sentido literal quanto metafórico. Aprender algo novo enquanto faz várias coisas ao mesmo tempo e se expõe não foi nada fácil. Mas também é o que fez, anteriormente, ao mostrar suas composições. E arriscou de uma forma que foi definitiva para que entendesse o que vale a pena em sua arte. “Mas quando lancei, as pessoas se identificaram muito. Iam comentando, curtindo, compartilhando e falando comigo que parecia que eu estava falando sobre a vida delas. Eu senti que não era mais uma loucura, que realmente aquilo fazia sentido. E não parei mais.”

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Abrindo portas

O controle que César demonstra por onde passa é algo que ele aprendeu e foi percebendo em cada lugar que ocupou. Foi usando o que podia, para afinal, ter algo dele. Deixar o que é de Cesar ser de Cesar. “Todo dia, no bar em que trabalhava, pensava como ia abordar as pessoas. Como vão ter essa relação comigo, como está o humor dessa pessoa hoje? Como está o meu e como posso driblar o que estou sentindo? Ter esse controle em cima do palco também é fundamental”. Essas reflexões, para quem tem como ponto central da arte uma espécie de não pertencimento, também levam longe. “Por ser uma arte periférica, não ter acesso é um ponto primordial. Se eu não tiver acesso, ou vou sucumbir ou vou correr atrás. Não dá pra romantizar isso. Meu medo é sempre de não conseguir fazer isso sozinho e sem dinheiro. O atravessamento principal da minha arte talvez esteja nesse não acesso, por ser uma pessoa preta, por ser uma pessoa LGBT também.”

É justamente por isso que ele quer falar sobre afetos. “No início, parece que você está sozinho. Mas existe uma rede, suas experiências são válidas e podem ser escutadas. Poder falar sobre autocuidado e afeto tendo todos esses atravessamentos, é uma dádiva”, diz. Nesse caminho, ele também se apresentou no Palco Central, com Bruno Targs, que foi seu diretor musical no espetáculo chamado “Monotema Session”. Seu projeto mais recente, chamado “In.sane”, será lançado na quinta-feira (26) e ainda conta com três lives performances, lançadas em seu canal do Youtube, onde também busca a mesma aproximação de sempre.

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli é uma repórter formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pós-graduanda em Escrita e Criação pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Escreve a coluna "Sem lenço, sem documento", que conta a história de artistas, artesãos e pessoas que trabalham com cultura em Juiz de Fora, mas que nem sempre são conhecidos pelo grande público. Também escreve matérias de cidade, educação, saúde, cultura e diversos outros temas. É autora do livro-reportagem "Do lado de fora: dez perfis de mulheres anônimas", escrito como Trabalho de Conclusão de Curso, e se interessa por jornalismo literário. No tempo livre, escreve e lê literatura, se interessa por produções audiovisuais, viaja, cuida de gatos e aprende línguas. [email protected] LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/elisabetta-mazocoli/

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