Luciano Jorge, mais conhecido como Lu da Gaita, começou a carreira musical em um momento decisivo da sua vida. Aos 22 anos, o então jogador de vôlei sofreu um acidente de carro que atingiu sua cervical e fez com que ficasse, naquele momento, paralisado do pescoço para baixo. Ainda no hospital, ele, que sempre amou música, pediu pra sua mãe levar uma gaita para o fazer companhia, e lembrou que era um instrumento que ainda poderia tentar tocar.
“Comecei a tirar um sonzinho, e me animei demais. (…) Nunca mais parei”, conta. Desde então, já foram outros 22 anos de vida fazendo coisas que ama e nas quais acredita, como tocar o instrumento que aprendeu então, compor suas próprias canções, entrar na licenciatura em Música da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), treinar natação e continuar se apresentando por bares e casas de show de Juiz de Fora.
Antes do acidente, Lu já tocava violão e cantava na igreja, além de jogar vôlei profissional. Por isso, depois do que passou, quis continuar, ainda que de uma forma diferente. “A música está dentro de mim há muito tempo, antes de ser atleta. Mas uma coisa sempre andou junto com a outra. Antes eu era jogador de voleibol e tocava violão. Eu falo que só mudei de categoria: depois, fui para a natação e para a gaita”, conta.
Esse novo instrumento, imediatamente, o encantou, e fez com que fosse redescobrindo uma paixão antiga, que também poderia ser a sua profissão. Ele começou a estudar gaita no Pró-Música, com o xará Luciano Batista. Em seguida, passou a tocar em uma pizzaria no bairro que mora, Ipiranga, e onde mais o chamavam.
O que mais gosta de tocar é pop rock, além de Lulu Santos, Capital Inicial e Legião Urbana. Como conta, também foram essas músicas que levantaram o seu astral e ajudaram para que ele não desanimasse em nenhum momento. “Meus amigos ficavam com medo de me visitar no hospital, porque eu sempre fui muito feliz e animado, e eles estavam com receio de eu não ser mais assim, de chegar e eu estar arrasado. Quando chegaram, eu estava rindo, animado, e aí quebrou esse gelo. Viram que eu estava bem”, relembra. Também foram os amigos e sua mãe, Maria de Lourdes, que deram apoio para que ele investisse na música.
Ter conseguido aprender um instrumento difícil como a gaita, que poucas pessoas na cidade sabem tocar, e ser reconhecido por seu trabalho fizeram com que ele se envolvesse cada vez mais. Hoje, seu principal sonho é levar a sua música para cada vez mais pessoas, inclusive através da produção musical. “Minha vida não ficou congelada. Tem gente que passa por isso e acha que a vida acabou, que não vai conseguir fazer mais nada. Eu até entendo, mas acho que eu consegui me superar. Fecharam algumas portas, mas abriram outras. Às vezes, se não tivesse acontecido o acidente, eu não estaria aqui contando essa história, poderia até estar em um caminho errado ou não estar tão realizado como estou.”
Caminhos e encontros de Lu da Gaita
Para dar conta de tudo que gosta de fazer não é nada fácil. Geralmente, seus shows começam nas quinta-feiras, fazendo com que o final de semana fique bem agitado. Também, por isso, ele foi deixando a natação em segundo plano, já que seu foco é a música. “Quando eu estava muito na ativa, era bem difícil, inclusive para conciliar agenda de shows, campeonatos e estudos. Não é fácil, a cabeça tem que estar tranquila, se não você se perde”, diz. Outro fator para a decisão foi ter que arcar com os altos custos de transporte até a UFJF, onde treinava, um gasto de cerca de R$800 por mês.
Mas nesse caminho de conciliar vários sonhos, teve uma oportunidade que nem imaginava ser possível. Desde que começou a tocar gaita, virou grande fã de Milton Guedes, que trabalhou durante cerca de 30 anos como músico de Lulu Santos. “Teve um show dele no Rio de Janeiro, em plena terça-feira, e eu dei um jeito de ir. Pude contar a minha história e tocar junto com ele. É um cara incrível, e que hoje posso chamar de amigo”, conta Lu da Gaita. Ainda este ano, ele pretende que os dois lancem uma música juntos.
Contato com o público
Lu da Gaita costuma tocar quase todo mês no Mirante, Ibitibar, Barbante, Deck Choperia, Salvaterra e Pão Molhado. Apesar dessas casas terem recebido o artista, ele ainda destaca que a acessibilidade é um desafio para que sua música chegue em muitos locais. “Na maioria dos lugares ainda é difícil. Eu me viro nos trinta, mas tem lugar em que a cadeira não passa ou que não dá pra ir ao banheiro”, conta. Apesar de acreditar que a cidade pode ter oportunidade para todos, também alerta para a falta de incentivo público e privado para os artistas, além da desvalorização.
A vontade de compor e de produzir surgiu nesse contexto, com a disposição de cada vez mais buscar sua independência em relação à necessidade de estar sempre se apresentando e, também, de procurar mais reconhecimento. “Me inspiro em tanta coisa, em alguns momentos que passei, algum relacionamento que, às vezes, não deu certo e que deu certo. Encontrei uma pessoa tão bacana na minha vida que estou escrevendo muito sobre isso”, conta ele, sobre uma música que está em processo de produção, “Um beijo que cura”.
Mas, ainda assim, destaca que o que mais gosta sempre é o contato que tem com o público. “Muitas vezes, o carinho do público é melhor do que o cachê, esse feedback dá um gás pra gente continuar. Quando alguém fala comigo que se emocionou e que valeu a pena, fico grato.”