ConheƧa Ever Beatz, produtor, DJ e compositor que ‘ama o novo’

Na coluna "Sem lenƧo, sem documento" desta semana, conheƧa o jovem que busca democratizar a mĆŗsica e valorizar o diferente em suas produƧƵes

Por Elisabetta Mazocoli

Everbeatz Joao Victor Teobaldi
ā€œEsse lampejo de novidade, de me apaixonar por um estilo novo, Ć© o que me mantĆ©m inspirado e com vontade de fazer mĆŗsica mesmo com todas as dificuldades”, conta Ever Beatz

Everton Martins Gomes, de 29 anos, cresceu com mĆŗsica em casa. Seu pai, Valtenio Arcanjo Gomes, capoteiro, sempre foi conhecido por ser eclĆ©tico, escutando desde reggae atĆ© jazz e mĆŗsica eletrĆ“nica. Dentro de suas possibilidades, Everton conta que o pai foi uma espĆ©cie de discotecĆ”rio. Trazia para o filho discos piratas cheios de novidades, que eram recebidos como se contivessem um novo mundo a ser explorado. TambĆ©m foi ele que deu para o filho, ainda crianƧa, um pianinho de oito teclas para o filho brincar de mĆŗsica, e mais tarde um violĆ£o que aprendeu a tocar com revistinhas de instruĆ§Ć£o. Da mesma forma, sua mĆ£e, Nanci Martin Gomes, que trabalha com serviƧos gerais, Ć© cantora e alguĆ©m que ele reconhece ter um grande conhecimento de mĆŗsica. Essas primeiras influĆŖncias, como explica, acenderam nele a vontade de seguir um caminho que trilha hoje, trabalhando como produtor, DJ e compositor. Conhecido como Ever Beatz, estĆ” sempre buscando novidades que o faƧam sentir esse deslumbre quase de crianƧa, que agora vem a partir de muita pesquisa e sintonia com o que mĆŗsicos do mundo inteiro estĆ£o fazendo. “Ter uma mĆŗsica nova Ć© o suficiente para descobrir mil coisas”, conta.

AlĆ©m das referĆŖncias em casa, a trajetĆ³ria de Everton tambĆ©m foi muito impactada quando descobriu, na oitava sĆ©rie, por meio do amigo Wellington Novaes, vulgo Mariel, um programa de computador atravĆ©s do qual era possĆ­vel produzir funk. “Foi engraƧado, porque eu tinha um preconceito com funk, pela religiĆ£o da minha famĆ­lia, e a gente nĆ£o se relacionava muito com as letras de funk. Mas eu gostava da batida”, relembra. Aquilo foi o suficiente para que ele comeƧasse a entender esse ritmo, gostando das letras e de tudo que o funk trazia, fazendo com que ele tambĆ©m passasse a consumir e produzir esse gĆŖnero.Ā  Do mesmo amigo, tambĆ©m ganhou um disco dos Racionais e comeƧou, entĆ£o, a se interessar tambĆ©m por rap. Foi justamente em um encontro de MCs que vendeu seu primeiro Beat, para Everton Souza, o Hattori. “Foi assim que conheci a cultura hip hop de Juiz de Fora. Eu jĆ” produzia mĆŗsica, mas quando comecei a produzir rap, foi a primeira vez que estava produzindo junto de uma cena cultural, e entĆ£o comecei a me sentir inserido”, conta.

Ele tambĆ©m produz eventos em Juiz de Fora, junto com o Coletivo PancadĆ£o de Som e KaĆ“ Funk. Essa Ć© uma forma, como explica, de conseguir um lucro maior e tambĆ©m de ter mais liberdade para tocar o que quer, em eventos nos quais tambĆ©m gostaria de estar. Desde que comeƧou, reconhece um esforƧo tĆ©cnico claro para melhorar e se especializar, conseguindo “produzir com mais objetivo” e alcanƧando resultados. “Ɖ engraƧado, porque acho que quando vocĆŖ comeƧa a produzir mĆŗsica do zero, vocĆŖ tem uma inocĆŖncia muito pura. VocĆŖ produz mĆŗsica sĆ³ pra expressar o que estĆ” sentindo ou seguindo algo que ouve e gosta”, explica. Confessa que atĆ© sente falta de uma Ć©poca em que era apenas assim: “Isso atĆ© me dĆ” uma nostalgia, porque vocĆŖ nĆ£o tem a ideia de mercado ou a pressĆ£o de produzir algo. Mas com o tempo, vai substituindo aquela inocĆŖncia por uma vontade mais consciente de inovaĆ§Ć£oā€.

Sendo assim, o prazer com a mĆŗsica nĆ£o desapareceu – foi mudando, se ampliando e sendo dividido. O que mais gosta, ainda, Ć© fazer como quando era pequeno, descobrindo aqueles CDs tĆ£o diferentes. Encontrar algo novo, que se destaque, que venha de um lugar cultural inovador e que possa compartilhar com os outros. Quando consegue levar isso nos shows ou entre amigos, e vĆŖ que eles sentem esse fascĆ­nio, se diverte de verdade.Ā 

Cena cultural, encontros e percepƧƵes

Estar inserido em uma cena cultural foi definidor para Everton. “Se vocĆŖ sĆ³ fica dentro do seu quarto, nĆ£o vai ter o toque de realidade de ver as pessoas reagindo Ć  sua mĆŗsica. E vocĆŖ pode fazer a mĆŗsica mais complexa teoricamente do mundo, e isso nĆ£o vai querer dizer que as pessoas vĆ£o reagir”. Para ele, Ć© uma mudanƧa de perspectiva que sente tambĆ©m quando se tornou DJ, a partir da necessidade de ajudar o amigo Marte MC ou quando foi consumindo mais mĆŗsica eletrĆ“nica. “A troca muda tudo, muda a gente, muda como enxergamos”, diz. Ɖ por isso que suas referĆŖncias tambĆ©m sĆ£o pessoas com trabalhos autorais, que conseguem construir seu prĆ³prio pĆŗblico e trabalham a mĆŗsica de forma honesta com seu propĆ³sito. Ele cita, por exemplo, Dj Marky, Madlib, Raffa Moreira e Badsista.

O trabalho como DJ intensifica essa experiĆŖncia, porque Ć© preciso perceber na hora como a troca estĆ” impactando quem estĆ” presente. “Tenho que ir preparado, mas sinto que a ideia de ir pra um lugar com tudo certinho e esperando tocar tudo que levou pode ser frustrante. As pessoas podem nĆ£o estar querendo aquilo”, esclarece. “As pessoas que estĆ£o ali nĆ£o podem mandar no seu set, mas tambĆ©m nĆ£o podem ser encaradas como meros ouvintes, sĆ£o ativos, sĆ£o ouvintes que reagem e Ć© preciso ler essa resposta.ā€

DJ como educador musical

Atualmente, como DJ, Everton explica que tem trabalhado mais com um funk “na lĆ³gica das baladas”, que Ć© diferente do funk que rola nos bailes de comunidade e nos circuitos que estĆ£o mais no coraĆ§Ć£o da criaĆ§Ć£o desse gĆŖnero. Mas tenta sempre misturar isso com o que Ć© tocado em outras cidades, como SĆ£o Paulo ou Belo Horizonte. “Levo uma pesquisa que funciona pro pĆŗblico daqui, dialogando com o funk pop que toca nas rĆ”dios, e colocando um temperinho do funk que eu acho que Ć© o que as pessoas precisam ouvir e conhecer. Sinto que o DJ tem esse papel de educador musical”, explica.

O estigma do funk e do rap sendo tocados na rua continua. Por isso mesmo, ele entende que as pessoas que estĆ£o dedicadas a um trabalho como o dele estĆ£o criando uma proposta de educaĆ§Ć£o musical para consumir cultura, e isso Ć© mais um passo para acabar com esse preconceito. ā€œA posiĆ§Ć£o do estado deveria sempre ser de apoiar esses movimentos e ajudar a fazer que funcionem de forma saudĆ”vel”, diz. Everton sente que Juiz de Fora ainda precisa se abrir mais para a cultura em muitos sentidos, inclusive permitindo que o funk e o rap estejam em cada vez mais lugares.

Ɖ por isso que, em sua visĆ£o, quando surgem propostas mais artĆ­sticas ou nichadas, Ć© mais difĆ­cil prosperar do que quando apenas se repetem propostas mais comerciais.Ā  “Juiz de Fora tem muita gente fazendo arte, mas hĆ” poucas ruas que levam atĆ© essas pessoas. SĆ£o pessoas que acabam ficando escondidas em nichos pequenos. Se houvesse uma desburocratizaĆ§Ć£o e uma democratizaĆ§Ć£o da arte, poderĆ­amos ter mais pessoas acostumadas ao consumo de arte”, diz. NĆ£o desanima, no entanto, e continua fazendo planos para que seja possĆ­vel potencializar esses efeitos. “A mĆŗsica pode trazer uma perspectiva para as pessoas – inclusive uma perspectiva de felicidade”, diz.

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli Ć© uma repĆ³rter formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pĆ³s-graduanda em Escrita e CriaĆ§Ć£o pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Escreve a coluna "Sem lenƧo, sem documento", que conta a histĆ³ria de artistas, artesĆ£os e pessoas que trabalham com cultura em Juiz de Fora, mas que nem sempre sĆ£o conhecidos pelo grande pĆŗblico. TambĆ©m escreve matĆ©rias de cidade, educaĆ§Ć£o, saĆŗde, cultura e diversos outros temas. Ɖ autora do livro-reportagem "Do lado de fora: dez perfis de mulheres anĆ“nimas", escrito como Trabalho de ConclusĆ£o de Curso, e se interessa por jornalismo literĆ”rio. No tempo livre, escreve e lĆŖ literatura, se interessa por produƧƵes audiovisuais, viaja, cuida de gatos e aprende lĆ­nguas. [email protected] LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/elisabetta-mazocoli/

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