Decidindo o que vai ser, sendo tudo que pode: conheƧa Sophia Bispo, poetisa e slammer

Aos 17 anos, ela conta como o movimento slam e a arte impactaram sua vida, e quais devem ser seus prĆ³ximos passos

Por Elisabetta Mazocoli, sob a supervisĆ£o de Carolina Leonel

coluna betta by Luis Roberto Silva Cruz
JĆ” na primeira vez que participou de um slam, em 2019, Sophia foi chamada para declamar sua poesia (Foto: LuĆ­s Roberto Silva Cruz)

Sophia Bispo tem 17 anos. Mesmo com pouca idade, jĆ” andou pelo mundo da arte de diversas formas, procurando um lugar que lhe pertencesse. Para chegar ao que se quer ser, Ć© preciso tentar um pouco de tudo: ela jĆ” foi danƧarina e atriz em obras sociais, jĆ” fez aulas de capoeira, alĆ©m de desenhar no seu tempo livre. Ela tambĆ©m se aventura por trĆ”s das cĆ¢meras, produz eventos culturais no bairro onde mora e, na maior parte do tempo, encontra a prĆ³pria voz nos poemas que escreve. Ɖ a partir dessa busca, conta, que indicaram que ela participasse de slams, contando as suas histĆ³rias. JĆ” na primeira vez que participou de um, em 2019, foi chamada para declamar na frente de todos. AtĆ© entĆ£o, nĆ£o mostrava o que escrevia a ninguĆ©m, guardava apenas em notas no seu celular – a inseguranƧa, entretanto, nĆ£o a parou, e ela logo decidiu se mostrar para aquele mundo que surgia inesperadamente Ć  sua frente.

No comeƧo, a escrita acompanhava o que ela sentia, fosse a hora que fosse. Nos momentos de crise, estava ainda mais presente, “como uma forma de alĆ­vio”. Ɖ por isso que, desde a primeira vez em que colocou um microfone na frente da boca, se expĆ“s e mostrou com clareza as emoƧƵes e os sentimentos que guardava. A indicaĆ§Ć£o do slam veio de um professor de capoeira, que sabia que ela queria “crescer na vida”. Foi a partir dessa oportunidade que Sophia diz ter encontrado um caminho para que pudesse se expressar diante dos outros. “Em 2019, fui pela primeira vez em uma batalha de slam e, desde entĆ£o, passei a frequentar esses eventos. NĆ£o escrevia pensando em slam, eram escritos de forma mais emocional, mas isso acabou sendo uma coisa boa no inĆ­cio, porque a maioria das poesias do slam sĆ£o de protesto. EntĆ£o acabou tendo essa quebra, consegui me diferenciar um pouco”, conta.

Os aprendizados que o slam trouxe para ela logo comeƧaram tambĆ©m a impactar sua escrita, que agora, alĆ©m de traduzir suas emoƧƵes, tambĆ©m apresentam problemas sociais da realidade que a cerca e como isso a afeta diretamente. Para ela, o prĆ³prio poema do slam Ć© educacional. “Traz a crĆ­tica da pessoa, o lugar de onde ela veio e sua vivĆŖncia. Ensina muito.” Hoje, ela escreve tambĆ©m levando em conta as desigualdades, problemas na estrutura da famĆ­lia e tentando manter um registro da sua prĆ³pria histĆ³ria. O bairro onde mora na RegiĆ£o Sudeste de Juiz de Fora, o Retiro, por exemplo, Ć© forte inspiraĆ§Ć£o para sua escrita. “Tudo que eu escrevo leva em conta a minha experiĆŖncia lĆ””, diz.

Em 2020, foi campeĆ£ do Slam Intercolegial de Juiz de Fora. Durante a pandemia, participou de vĆ”rias outras ediƧƵes de forma on-line, sempre tentando encontrar o prĆ³prio tom. A estudante, inclusive ficou em terceiro lugar em uma competiĆ§Ć£o de slam no Ć¢mbito de Minas Gerais. Hoje, enxerga que esse universo lhe deu asas para que ela conhecesse outras realidades, mais pessoas e vivesse mais coisas. Ɖ o que queria desde o comeƧo. Com um fanzine publicado e um livro de poemas solo em andamento, ela ainda pretende realizar muitos sonhos e chegar ainda mais longe.

InspiraƧƵes em casa e de casa

HĆ” quem pense que sua curta trajetĆ³ria de vida nĆ£o tenha lhe rendido histĆ³rias o suficiente para tanta coisa. Isso atĆ© poderia fazer algum sentido, se ela estivesse falando apenas de si mesma. Mas Sophia sabe que, estando onde estĆ”, carrega muita gente com ela – inclusive pessoas de sua prĆ³pria famĆ­lia. Criada em berƧo catĆ³lico, ela nĆ£o deixa de falar que o senso de comunidade Ć© muito importante para ela, assim como ter a famĆ­lia ao seu redor.

Um dos poemas que leu em um evento, “A solidĆ£o da estrela guia”, fala sobre a sua avĆ³, Dalva. Nele, conta mais sobre a vivĆŖncia dessa mulher que ajudou a criĆ”-la. “Falo sobre rotina de uma esposa que nĆ£o trabalhava fora para poder cuidar dos filhos, de como havia distanciamento entre ela e o marido, e tambĆ©m como Ć© essa solidĆ£o da mulher e como a sociedade naturalizava isso”, diz. TambĆ©m fala de uma violĆŖncia que, em sua visĆ£o, foi passada de geraĆ§Ć£o em geraĆ§Ć£o, desde que a avĆ³ de sua avĆ³ foi “pega no laƧo”. “Evidenciar isso Ć© uma questĆ£o polĆ­tica. A gente, que Ć© de zona perifĆ©rica, que Ć© descendente dessas pessoas, vĆŖ isso na nossa linhagem.”

Atualmente, tambĆ©m trabalha em uma produĆ§Ć£o audiovisual baseada em poemas que ela e um grupo de amigos fizeram, intitulada “A morada”. A ideia surgiu a partir do poema “Cozinha”, em que ela expressa como se sente em relaĆ§Ć£o a esse cĆ“modo da casa, principalmente no momento da pandemia – e tudo que ele representou para a sua vida. Foi a partir dessa ideia, entĆ£o, que a produĆ§Ć£o passou a falar de diferentes cĆ“modos. O vĆ­deo serĆ” lanƧado em 20 de janeiro no seu canal do Youtube.

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Atualmente, a slammer finaliza, junto a um grupo de amigos, uma produĆ§Ć£o audiovisual com estreia prevista para 20 de janeiro (Foto: Natalia Elmor)

Mantendo suas raĆ­zes por onde for

Um dos maiores sonhos de Sophia Ć© se tornar jornalista e ser correspondente. Mesmo querendo isso, nĆ£o se prende ao que ainda nĆ£o aconteceu, e deixa que as oportunidades surjam. A visĆ£o que tem hoje do que a sua vida pode ser foi moldada pelo seu entorno e, tambĆ©m, como a enxergavam em cada lugar. “O Retiro fica literalmente atrĆ”s da cidade. A Ćŗnica coisa que consigo ver ao redor Ć© o morro Santo AntĆ“nio, e essa acaba sendo a visĆ£o que eu tive do mundo”. Tendo frequentado cursos de inglĆŖs em Ć”reas nobres da cidade e cursinho em escola particular, enxerga que a vivĆŖncia em lugares mais elitizados tambĆ©m contribuiu para a sua formaĆ§Ć£o, mas nĆ£o se esquece da onde veio.

Para ela, essa perspectiva tambĆ©m traz vontade de mudanƧa e de um posicionamento ativo. No seu bairro, por exemplo, nĆ£o hĆ” como fazer shows e slams em praƧa pĆŗblica, porque “nĆ£o tem nenhuma”. As pessoas nĆ£o se reĆŗnem para eventos culturais com facilidade, como ela acredita que deveria ser. E foi por isso, tambĆ©m, jĆ” organizou eventos que levassem a poesia para as ruas do bairro, como o “Retiro tem poesia”, que teve apoio do edital da Lei Murilo Mendes, Cultura na/da quebrada. “Ɖ com essa visĆ£o que eu venho pro Centro, que eu faƧo as coisas, que eu me porto. Vou com uma vivĆŖncia diferente, um olhar diferente, mas nunca inferior”, diz.

Tribuna

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