Conheça Mariana Zacaron: fantasias, distopias e histórias que nascem de personagens

Na coluna 'Sem lenço, sem documento' desta semana, conheça a autora que escolheu a autopublicação para lançar 'As crônicas de Adhelar' e 'Terra Balda'

Por Elisabetta Mazocoli

Mariana Zacaron1 Elisa Chediak
Para Mariana, a fantasia permite que sejam imaginados mundos e realidades diferentes, mas que têm muito a ver com o presente e o nosso mundo (Foto: Elisa Chediak)

Mariana Zacaron começou a inventar histórias muito antes de saber como escrevê-las. Para ela, a imaginação era algo que podia se concretizar a partir até de palavras soltas, provas que a mãe corrigia ou desenhos. Mais tarde, a vontade de compartilhar essas invenções fez com que começasse a escrever histórias sobre ela e suas amigas para mostrar quando se vissem. A vontade de ir compartilhando com cada vez mais gente fez com que fosse entrando também em comunidades fanfic e de webnovelas no Orkut e começasse a ir treinando mais e mais sua escrita. “Desde muito pequena, eu sempre falava que queria ser escritora e alguma outra coisa quando crescesse. A outra coisa variava, mas ser escritora, não”, conta. Com 28 anos recém completados, uma faculdade de Cinema e Audiovisual e também de Moda, esse sonho já se realizou: ela publicou “As crônicas de Adhelar” em 2019 e “Terra Balda” em 2023. São mundos de fantasias, distopias e histórias que nascem de personagens que ela já colocou no mundo.

Apesar de já ter o hábito de criar suas próprias narrativas desde bem nova, não acreditava a princípio que o que escrevia se tratava de “algo sério”. Achava que a possibilidade de publicar era algo apenas “de adulto”. Mas quando escreveu “As crônicas de Adhelar”, resolveu começar a procurar editoras para publicação. “É realmente um meio muito difícil de entrar esse da publicação tradicional e de conseguir um espaço. Então, enquanto essas portas não se abrem, a gente vai abrindo as próprias portas”, conta. 

Foi assim que resolveu recorrer à autopublicação e, por conta própria, organizou o livro que foi publicado em 2019, no qual ela conta a história de três pessoas com histórias muito diferentes umas das outras, mas que se encontram por um objetivo em comum. A narrativa gira em torno de uma rainha, de uma jovem que vive no submundo com atividades ilícitas e de um rapaz que é como se fosse um mago monge. “Esses dois precisam trabalhar juntos para ajudar a rainha, que está lidando com coisas obscuras e não pode contar com a ajuda que normalmente contaria”, afirma. Naquele momento, o livro foi publicado em e-book, por meio da plataforma da Amazon. Nesses casos, como ela explica, cabe ao escritor cuidar da diagramação, capa e revisão, ou então pagar pessoas por conta própria para que realizem esses trabalhos. 

O processo com o livro mais recente foi um pouco diferente. Primeiro porque ele nasceu totalmente em inglês, com o nome de ‘Wasteland’, enquanto ela estava estudando em um curso de roteiro na Vancouver Film School Writing, no Canadá. “Foi um momento em que eu aprendi tanto sobre as técnicas de escrita, que se aplicam tanto para roteiro quanto para livros, como também conheci outras pessoas que também escrevem, conhecem essas técnicas e conseguem ler o que escrevo e me dar um feedback rico”, conta. Justamente por essa possibilidade de troca, Mariana começou a escrever a história do livro, que, na verdade, já estava na sua cabeça há ainda mais tempo, em inglês. “Foi uma história que ficou muito tempo dormente, que voltava à minha cabeça às vezes, até que eu estava lavando louça em um dia da pandemia e pensei que podia ser um bom momento para voltar a trabalhar nela”, diz. Quando ela voltou para o Brasil, o livro já estava cerca de 70% escrito, em seu primeiro rascunho, e a partir da finalização foi traduzido. Mariana começou a pensar, a partir disso, como abrasileirar a obra – e depois voltou para a edição em língua inglesa para incorporar as modificações que fez também lá.

Ambos os livros são voltados para o público “novo adulto”, e na segunda obra, a história é uma distopia futurista/ficção científica que se passa em uma terra sem lei, que era antes controlada por corporações, mas que acaba sendo libertada por uma catástrofe. Desde então, os personagens principais lideram suas respectivas facções em lados opostos da árida Terra Balda, coexistindo em um frágil equilíbrio de poder e que, mais tarde, os jovens precisam trabalhar juntos para proteger seu território e seu povo. “Essa história é contada em duas linhas de tempos: antes e depois da explosão. Esses personagens, depois da explosão, não se dão bem, são rivais. Então tem toda uma história do porquê de eles se tornaram rivais, e depois explico por que eles começam a trabalhar juntos de novo”, ressalta. Dessa vez, ela também queria que o livro fosse publicado em formato físico, e, por isso, optou pela publicação sob demanda.

Foco nos personagens

Durante o tempo que esteve no Canadá estudando, Mariana teve a oportunidade de escolher, no segundo semestre do curso, uma área para focar. “Era possível escolher entre cinema, TV ou games. Acabei de ir pra área de games porque é uma área que também me interessa e que também tem um mercado que está em crescimento”, conta. Para ela, no entanto, o que aprende de técnicas de roteiro pode servir para a escrita – uma arte milenar e que está sempre se modificando – em qualquer formato, apenas com certas adaptações de acordo com o que funciona melhor para cada espaço. Suas histórias, como ela revela, costumam nascer para livros. E, antes de serem dos livros, são principalmente dos personagens que inventa.  “Terra Balda, por exemplo, apesar de ter essa história toda e um universo de distopia, tem uma narrativa que é muito focada no relacionamento dos personagens principais”, conta. 

Para ela, essas figuras nascem de cenas específicas, que podem no final nem aparecer no livro, mas que ajudam a autora a entender de onde vieram e como vão se desenvolver. “Raramente eu penso que seria muito legal escrever uma história sobre uma galera que vive em uma montanha que tem um vulcão. Eu penso que tem fulano, que desce todo dia a montanha porque precisa pegar uma planta que só tem embaixo. Mas aí começa a surgir a história: que montanha é essa?”, pensa. O seu processo de escrita também se desenha a partir dessas ideias e, como explica, para virar realidade precisa amadurecer em sua mente. Depois disso, ela costuma escrever um resumo da história, falar quem são os personagens, as leis daquele universo e algumas informações importantes, com escritos também sobre os capítulos – mas que podem gerar mudanças no final. A partir disso, escreve focada na história já tendo ideia para o começo, meio e fim. “Eu sempre tenho em mente que o primeiro rascunho não precisa ser perfeito, o importante é botar pra fora”, diz.

Mundos expandidos

Escrever, em sua experiência, envolve voltar para a história muitas vezes, reescrevendo diversas partes, e entender o que funciona para os leitores. Ela mesma define que gosta de escrever o que gostaria de ler, como nos livros de V. E. Schwab, Tamsyn Muir e Leigh Bardugo, autoras em quem se inspira. Por isso, os ‘leitores beta’ ajudam com que muitas dessas versões se desenhem e cheguem na forma final ainda melhores.  “Com o Terra Balda, por exemplo, eu sabia que a forma pela qual o clímax acontecia não estava me agradando. Na versão final, o que acontece é a mesma coisa, mas o ‘como’ ficou totalmente diferente com as reescritas”, diz. Apesar de trabalhar com livros que falam de universos tão distantes e de personagens que, a princípio, podem não lembrar dela em nada, ela entende que cada parte do que inventa é ‘muito Mariana’.

Com o “Exploda seu Kindle”, em 2023, que incentivava autores brasileiros a deixarem suas histórias gratuitas para os leitores, ela inclusive disponibilizou sua mais recente história para ser baixada no aplicativo. Foram mais de cinco mil pessoas que fizeram isso com “Terra Balda”, e daí surgiram também muitas resenhas e reviews. “Pra mim, uma das coisas mais incríveis é ver que as pessoas estão lendo o livro. O que eu mais gosto é quando alguém vem surtar comigo sobre o que escrevi: ‘Mariana, por que você fez isso? Não imaginava que isso ia acontecer!”, conta. Criar novas realidades e mundos expandidos que podem ser compartilhados parece justamente o que faz com que ela se guie e se encante por esse meio. “A fantasia permite que você imagine mundos diferentes, realidades distintas, mas que tem muito a ver também com o presente e o nosso mundo. Pode ser um problema que tá acontecendo em outra galáxia, mas que tá acontecendo com seres humanos, sabe?”, reflete.

Leia mais a coluna Sem Lenço Sem Documento aqui.

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli é uma repórter formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pós-graduanda em Escrita e Criação pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Escreve a coluna "Sem lenço, sem documento", que conta a história de artistas, artesãos e pessoas que trabalham com cultura em Juiz de Fora, mas que nem sempre são conhecidos pelo grande público. Também escreve matérias de cidade, educação, saúde, cultura e diversos outros temas. É autora do livro-reportagem "Do lado de fora: dez perfis de mulheres anônimas", escrito como Trabalho de Conclusão de Curso, e se interessa por jornalismo literário. No tempo livre, escreve e lê literatura, se interessa por produções audiovisuais, viaja, cuida de gatos e aprende línguas. [email protected] LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/elisabetta-mazocoli/

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