
Gustavo Duarte tinha 13 anos quando começou a tocar um instrumento pela primeira vez. Esse fascínio pela música começou quando viu o pai e o tio, ambos marceneiros, construindo com as próprias mãos um baixo. A ideia de poder realmente criar algo parece ter ficado na sua cabeça desde então, porque a partir dessa época, quando ia aprendendo seus primeiros acordes na guitarra, já tentava buscar composições melódicas e harmônicas que fossem suas. Aos 16 anos, passou a frequentar o encontro de compositores, outro marco na sua vida, e nesse encontro teve o prazer de fazer por conta própria, que também foi se misturando com a possibilidade de colaboração com outras pessoas. “Assim que peguei o violão abracei a música brasileira e me senti mais completo”, conta. Em colaborações como o projeto Constelar, o Trinca-Ferro e no seu álbum “Orvalho”, de 2024, ele pôde ir construindo isso que percebe como a sua música — e também entendendo que ela sempre muda. Há mais de dez anos se apresentando, ainda, no Centro da cidade, ele acredita na música como um processo constante de criação e mudança.
Apesar de ter aprendido a tocar violão muito novo, Gustavo também foi buscar uma formação formal na universidade Bituca. O que mais gostou lá e que já era algo que percebia no próprio interesse era a ligação com o violão popular, que está vinculado a um tipo de estudo que costuma ficar mais à margem, mas que é ligado à música popular brasileira, ao choro, à bossa e ao samba. “O que me atraiu no popular é uma mistura de tudo que compõe a música. Aconteceu muito por causa do encontro de compositores, porque vi ali muitas possibilidades para canções. E também a variedade dos ritmos brasileiros, cada canto que a gente vai tem uma música regional diferente”, conta ele. Atualmente, ele também começou a tocar viola, e inclusive já participou pela segunda vez do Festival de Viola de Piacatuba.
Toda a sua trajetória foi permeada pela ligação com as pessoas, seja através do projeto Constelar, dentro do qual trabalhou de 2015 a 2017 com Bruno Targs e Sarah Vieira, ou no Trinca-Ferro, do qual fez parte entre 2017 e 2022, com Natan Santos e Diegho Salles. Além disso, desde 2024 também se apresenta junto com o Choro Bordado, com quem irá fazer participação neste domingo (10), no Cine-Theatro Central, durante concerto do quarteto da Orquestra Sinfônica Brasileira. Nessas parcerias, ele também se permitiu ir explorando o que mais gostava na composição, e deixando as letras, com as quais sentia mais dificuldade, para quem se interessava mais por essa área. Em todos os projetos, no entanto, sempre priorizou o autoral. “O prazer da composição, pra mim, é o que tem de mais grandioso dentro da música”, conta.
E foi também pela ligação com o Constelar que ele foi para a rua tocar pela primeira vez, aos 19 anos, nesse projeto que segue já há 10 anos, com apenas pequenas pausas. “Não gosto do termo artista de rua, porque acho que todo mundo que está fazendo arte nos locais públicos é artista e ponto final. Tem um preconceito em torno disso, como se a arte que a pessoa está fazendo combinasse apenas com esse contexto”, conta ele. O artista, que costuma se apresentar entre às 11h e 15h na rua São João, também acha que essa experiência de contato com o público é enriquecedora para um artista e, no caso dele, foi especialmente interessante para treinar os arranjos para tocar sozinho. “Até pouco tempo atrás, eu, que nunca tive muita instrução, passava na frente do Central e não fazia ideia de como fazia pra entrar. Uma pessoa que tem curiosidade, mas está sozinha e sente essa vergonha de entrar, não sabe se será bem vinda… Acho que esse é um trabalho que temos que fazer pra arte ir atrás das pessoas”, destaca.
Compor e criar caminhos

Para Gustavo, que se inspira em nomes como Elomar, Gilberto Gil e Chico Buarque, além dos amigos que estão mais próximos, compor é um grande apanhado das coisas de que ele gosta. Longe de romantizar esse processo, como conta, acredita que é um trabalho que depende bem mais de tentativa e erro do que de inspiração – e que é preciso acreditar nas próprias ideias e também em guardar instintos. O álbum “Orvalho”, por exemplo, tem músicas que ele compôs há 8 anos e músicas que compôs há 1 ano, mas que foram trabalhadas e retrabalhadas por ele.
“A coisa mais importante na música é saber ouvir, mais até que saber interpretar um instrumento bem. Quando comecei a tocar, lembro de ter gostado muito, de ter sentido algo muito legal, e de ficar horas e horas por dia tentando aprender alguns segundos de uma música. E o ouvido ia ficando mais afiado também. Chegou em um ponto que, quando começava a aprender, fazia os acordes e começava a pensar o que eu podia fazer de diferente. A gente tem essa audácia de enxergar outro caminho”, diz.
Música é entidade viva
Essa relação próxima com a música, para ele, é de um respeito máximo. E de entendê-la como algo muito maior que si mesmo. “A música, pra mim, tem a capacidade de estar pronta e não estar ao mesmo tempo. É uma entidade quase viva. Ela existe, não é mais nossa, e começamos a olhar de fora. Existem muitas possibilidades a partir disso”, conta. Por isso, também entende que a hora de se terminar uma canção quase nunca é certa. O que determina o fim é o futuro, o momento em que se dedica a tocar de novo. “As músicas que estão lançadas no meu disco, do ano passado, já toco de outra maneira. Se fosse gravar hoje, seria diferente. Elas já nasceram e estão prontas, mas continuam com a possibilidade de mudar”, diz.