Conheça Amélia do Carmo, que mistura expressões para entrar em ‘estado de arte’

A jovem, de 23 anos, pinta, faz receitas, canta como vocalista na banda Varanda, faz percussão e synth na André Medeiros Lanches, dança e usa a escrita em tudo

Por Elisabetta Mazocoli

Amelia do Carmo 2 arquivo pessoal
Amélia gosta de colocar arte na comida, comida na música, música na dança e dança no cinema, cinema no texto e poesia também na arte (Foto: Arquivo pessoal)

Amélia do Carmo faz vídeos preparando receitas, como o gaspacho, sopa fria de origem espanhola feita com tomates e também receitas de sanduíches com cogumelos e saladas de legumes cheias de cor e formatos. Na mesma página em que posta, antes trazia artes que fazia e poemas visuais, “coisas estranhas”, como ela chama. Também cursa Cinema na Universidade Federal de Juiz de Fora, e foi no bacharelado interdisciplinar em Artes e Design que ela começou a estudar mais sobre arte. Quando estava começando a se expressar diante do público, apresentou uma série de autorretratos distorcidos, e antes disso ainda houve a dança, ainda em sua cidade natal, Carapitinga – sendo que ela acha que não leva jeito, mas fez aula mesmo assim. Já em 2022, foi chamada para tocar synth e percussão na banda André Medeiros Lanches, e, logo depois, para ser a vocalista da banda Varanda. Ao longo de todo o caminho, a escrita sempre a acompanhou e guiou seus processos de criação. O segredo para conseguir fazer tantas coisas ao mesmo tempo, para ela, é “não se levar tanto a sério”. 

Desde que veio para Juiz de Fora, em 2018, ela faz o possível para se inserir nas cenas culturais e ter um espaço de criação mais próprio. Começou colando cartazes pela faculdade procurando pessoas para compor uma banda, a Misandri, e foi criando músicas junto com quem entrava. Foi também por causa dessa experiência que conheceu as pessoas com quem hoje toca e, apesar da banda ter se desfeito, entende que essa experiência fez parte desse processo. Enquanto estudava, Amélia foi percebendo que se encontrava mais no universo das artes e do audiovisual do que no design, onde inicialmente ela pensava que iria trabalhar. Ao mesmo tempo, conta que continuou cultivando “a obsessão pelo YouTube”, para acompanhar principalmente Alex A French Guy Cooking e a Claire Saffitz, que fazem vídeos de receitas gastronômicas. 

“Eu não sei como tudo isso está conectado, mas é que eu gosto disso tudo”, conta. É por isso que, mesmo parecendo expressões tão diferentes, ela se esforça para conectar os pontos e fazer com que cada coisa fique próxima uma da outra. “Fica tudo meio interligado, porque nos vídeos que faço penso nas músicas que vou colocar, e também tem o cinema junto dos vídeos, tem os roteiros, é uma pesquisa que está interligada. Eu nem penso muito, minha mente já vai pra esses lugares naturalmente”, explica. O primeiro vídeo que ela fez e viralizou foi um que cozinhava um macarrão conforme as instruções que a ex-presidente Dilma Rousseff deu à imprensa. Ela seguiu os passos de forma bem-humorada, e atingiu mais de quatro milhões de visualizações no seu perfil no Instagram, o @naoeharte

O interesse pela cozinha surgiu a partir dos exemplos que citou e também dos desafios que encontrou ao começar a morar longe de casa. Principalmente, tudo nasceu da vontade de aprender. Os amigos brincam sobre a vontade que ela tem de se perder dentro da cozinha. Eles dizem pra Amélia: “Você faz tudo do zero, faz refrigerante do zero, pão do zero, pára com isso”. Mas ela explica: “É um amor muito grande que eu sinto, é um estado de presença enorme. Eu me estresso, é algo caótico, mas tem algo nessa prática que me ajuda muito”, diz. 

O palco

Quando Amélia começou a cantar no Varanda, a banda já era conhecida em Juiz de Fora e tinha acabado de perder sua vocalista. Foi justamente na turnê que André Medeiros Lanches e Varanda iam fazer que ela foi cogitada para assumir o lugar, que passou então a ocupar dando o seu próprio tom. Em toda a apresentação, ela se movimenta no palco com segurança, e nem parece que, como ela conta, começou ainda sem ter intimidade com aquele universo que já existia. “É uma relação de ter vergonha, mas ao mesmo tempo de ter muita coragem, e estar misturando isso o tempo todo”, diz.  

Para se habituar com as letras, passou a colar cartazes com trechos pelo palco, para poder checar sem parecer que ainda estava aprendendo. É algo que, para ela, surge e vai embora conforme o show acaba. “Eu tenho uma relação com o palco que eu fico muito à vontade, parece que viro outra. Quando estou performando, é a música, o tom, o tempo e ponto final. Nos intervalos entre as canções, eu não sei nem o que fazer ali”, diz. Com o tempo, foi criando um vínculo mais forte com as melodias e trazendo suas interpretações de forma mais presente. “Não tem como evitar que as interpretações e as bagagens que um músico traz pra canção sejam diferentes. Não tem como ser igual. Mas fico ainda ‘Como assim, as pessoas estão comprando isso?”, ri. Para isso, como ela sabe, foi fundamental “fazer as pazes” com o jeito irônico e brincalhão que tem.

Em estado de arte

“Amélia” é o nome artístico adotado por uma jovem de 23 anos chamada Maria Antônia. O nome criado por ela traduz como ela se enxerga, e é algo que herdou da família, passando pela mãe e pela avó. Nesse caminho, também teve como forte inspiração o irmão, que tinha uma banda de rock metal, Pathos, também em Juiz de Fora. Usa um óculos redondo e pequeno enquanto carrega, nos dedos, um pequeno anel que parece ser de ouro com o que ela me conta ser seus dois primeiros dentes a cair, bem pequenininhos. Saber que gosta um pouco de cada coisa e continuar vendo ligações em todas as expressões, é, para ela, o que dá sentido.”Eu não sei como tudo isso está conectado, mas é que eu gosto disso tudo, de estar fazendo as coisas. E eu sou uma pessoa que vai muito na onda, compro os rolês mesmo. Então quando me chamam, eu vou”, diz. 

Vai continuar colocando arte na comida, comida na música, música na dança e dança no cinema, cinema no texto e poesia também na arte. Voltando pro tiramisu que está comendo enquanto conversamos, fala também do suco de laranja no café: “Laranja é uma coisa, né? Combina com muita coisa. Eu era uma cética da laranja, até pouco tempo, achava que não combinava com chocolate por exemplo. Mas é a melhor coisa”, conta e ri. Assim como nas receitas, não tem medo dos sabores da arte, nem do que vem pela frente. Não quer focar em uma coisa, como me conta, quer continuar experienciando tudo isso que gera alegrias diferentes na vida dela. “É uma vivência inteira. A gente faz muita coisa na vida, o tempo inteiro, então eu não consigo canalizar em uma prática só. Arte é meio que um estado”, diz.

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli é uma repórter formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pós-graduanda em Escrita e Criação pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Escreve a coluna "Sem lenço, sem documento", que conta a história de artistas, artesãos e pessoas que trabalham com cultura em Juiz de Fora, mas que nem sempre são conhecidos pelo grande público. Também escreve matérias de cidade, educação, saúde, cultura e diversos outros temas. É autora do livro-reportagem "Do lado de fora: dez perfis de mulheres anônimas", escrito como Trabalho de Conclusão de Curso, e se interessa por jornalismo literário. No tempo livre, escreve e lê literatura, se interessa por produções audiovisuais, viaja, cuida de gatos e aprende línguas. [email protected] LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/elisabetta-mazocoli/

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