Volta ao mundo a bordo de uma casa sobre rodas

Por Marisa Loures

canadá
Henrique e Sabrina deixaram Juiz de Fora para trás para dar a volta ao mundo, e parte do sonho está registrada em “Terra adentro entre os extremos das Américas”, o primeiro livro dessa missão – Foto Terra Adentro

Não tenho espírito aventureiro, mas admiro, e muito, quem tem. Por isso, quando me foi apresentado o projeto Terra Adentro e vi que a jornalista Sabrina Chinellato e o economista Henrique Fonseca vivem, desde outubro de 2016, a adrenalina de viajar pelo mundo sem rotina, podendo conhecer lugares e costumes diferentes, passei a visitar, com certa frequência, o terraadentro.com. A bordo de uma Land Rover Defender 110, batizada de Mochileiro, a dupla nos faz conhecer lugares de tirar o fôlego, e não só no site e nas redes sociais, mas também no recém-lançado “Terra adentro pelos extremos das Américas”. Na obra, publicada através de um financiamento coletivo, os dois contam histórias inéditas e nos apresentam imagens dessa primeira etapa da jornada.

A ideia deles é publicar um livro sobre cada continente visitado ao longo dos três anos e meio, prazo estipulado, inicialmente, para terminar a aventura. Digo inicialmente porque, com uma cena como a que Henrique me relatou a seguir, dá para perceber que a viagem pode durar mais do que o planejado, ou porque o casal pode não resistir à beleza dos lugares e decidir ficar um pouco mais, ou porque os desafios podem exigir deles um tempo maior.

“Um cenário que eu sempre me lembro, todos os dias, foi quando estávamos na Nicarágua e fomos fazer a travessia de um lago, o Lago Nicarágua, que é o segundo maior lago das Américas. Nós colocamos nosso carro numa balsa, rumo a uma ilha que tem no meio desse lago. Essa ilha se chama Ilha de Ometepe, e ela tem dois vulcões. Essa cena sempre vem à minha mente, porque acho que foi o momento mais surreal da nossa viagem. Imaginar que a gente estava na Nicarágua, no meio das Américas, com nosso carro, numa balsa rumo a uma ilha com dois vulcões gigantescos”, recorda-se o viajante. “E ainda na mesma Nicarágua, não nesses dois vulcões, mas em outro vulcão, próximo à capital do país, a gente teve a oportunidade de chegar à cratera do vulcão e ver todas aquelas explosões de perto. Foram momentos incríveis que, realmente, deixaram profundas marcas em nossas vidas.”

O passeio pelas Américas terminou. A vida, agora, segue pela Europa. Quando batemos esse papo, na semana passada, para o Sala de Leitura, Henrique e Sabrina estavam na Islândia, aguardando a Land Rover chegar do Canadá, em um navio cargueiro. Hoje, se eles ainda não estão na Irlanda, devem estar chegando por lá.

Cratera do vulcão
Os viajantes chegam bem perto da cratera do vulcão Masaya, na Nicarágua, um dos mais marcantes dessa volta ao mundo – Foto Terra Adentro

 Marisa Loures – Vocês deixaram uma vida confortável em Juiz de Fora para viajar pelo mundo de carro durante três anos e meio. O que vocês buscavam com essa aventura?

Henrique – Nós deixamos tudo para trás, nossos trabalhos, família, tudo o que a gente tinha conquistado no Brasil, para realizarmos o grande sonho de darmos uma volta ao mundo de carro. Esse era um sonho que compartilhávamos, e a gente veio em busca dele, de ter um contato íntimo com a natureza, conhecer outras culturas, vivenciar outros lugares. Está sendo incrível toda esta experiência que a gente está vivendo e já viveu até este momento.

– E como é a rotina de alguém que, a cada dia, está em uma região diferente?

Sabrina – O mais interessante é que a gente pode dizer que não tem uma rotina. Nossa rotina muda de acordo com cada país que cruzamos, cada região, cada continente. Quando começa a se costumar com o ritmo de viagem, alimentação em um país, quilometragem, orçamento, de repente, a gente leva um susto porque cruza para outra região, e aí tudo muda. Muda o horário de acordar, o horário em que o sol se põe, muda as facilidades de acampar ou não. A gente vive em uma constante transformação da nossa rotina. Isso é um desafio, porque a gente tem que se adaptar às mudanças e às dificuldades. Por exemplo, aqui na Europa, a gente está achando a alimentação mais cara, mas é muito seguro. Por um lado é muito legal, porque essa é a essência da viagem. A gente está sempre se forçando a explorar nossos limites, a viver uma vida mais simples e a sair mesmo da nossa zona de conforto e a deixar nossa rotina de lado.

– Há quem joga tudo para o alto e sai com a mochila nas costas para dar a volta ao mundo sem nem se preocupar com dinheiro. Outros fazem um planejamento. Como foi com vocês?

Henrique – Nós nos planejamos por mais de dois anos antes da nossa partida, que foi em outubro de 2016. Então, lá em 2014, começamos a juntar dinheiro, a vender muitas coisas que tínhamos. No final, a gente acabou vendendo tudo o que a gente tinha e que não iria usar na viagem. Construímos todo esse planejamento financeiro para que tivéssemos uma segurança. Por outro lado, a gente veio viajar com o intuito de trabalhar. Eu tenho alguns trabalhos, a Sabrina também tem, e, com o Terra Adentro, a gente foi descobrindo novos trabalhos ao longo do tempo e que nos ajudam a manter nossa viagem, a realizar esse grande sonho.

– Além da venda do livro, quais outros meios de renda durante a viagem?

Henrique – Além da venda do livro, temos também receitas com venda de fotografias, venda de um “Guia de planejamento do viajante de carro”, que é um material que a gente construiu para auxiliar futuros aventureiros e aventureiras que desejam realizar o sonho de dar a volta ao mundo de carro, compartilhar com essas pessoas todo conhecimento que adquirimos. Essas são algumas fontes de renda iniciais que temos com o projeto. Essas fontes não são suficientes para manter a gente  na estrada. Por isso, nossa poupança que começamos a construir em 2014 é fundamental para que a gente continue na estrada todos os dias.

mochileiro
Land Rover na balsa para a Ilha de Ometepe, na Nicarágua – Foto Terra Adentro

 

– Quando vocês concluírem os três anos e meio dando a volta a mundo, acham que dá para voltar a ter uma residência fixa?

Henrique – Sobre o futuro, quando terminarmos nossa viagem, a gente ainda não tem muita coisa resolvida. A cada dia que passa, a gente vai descobrindo um novo trabalho que a gente gosta. Novas portas vão se abrindo e vamos descobrindo coisas novas que a gente pode fazer. Pensando, hoje, acho que, se a gente voltar para uma vida normal, a gente vai demorar muito para se adaptar, especialmente com um local fixo, porque somos nômades.  A cada dia, a gente está num lugar diferente. É uma sensação muito gostosa para quem está na estrada. Da mesma forma que é um grande desafio estar aqui hoje viajando, saindo da zona de conforto, acho que vai ser um grande desafio quando a gente voltar. Mas, até lá, muita coisa pode acontecer e muitas portas poderão se abrir para nós.

– Quanto tempo vocês ficam em cada localidade? Dá para aprender bastante sobre a cultura local?

Sabrina – Isso depende muito do tamanho do país. Depende também do nosso objetivo principal em cada região. Por exemplo, nas Américas, nosso grande objetivo era chegar ao Alaska, que é a última fronteira, é um estado americano depois do Canadá. E, até o Alaska, foram muitos quilômetros. E o Alaska, por ser em uma latitude muito extrema, a gente tinha um prazo para chegar lá por conta do inverno. Então, tivemos que adaptar nossa viagem a esse prazo. A gente tinha mais ou menos um planejamento de quanto tempo ficar em cada lugar.  Nosso tempo em cada lugar depende dos objetivos, das estações do ano e sempre temos que pensar um pouquinho nos próximos países. Apesar de, em alguns lugares, a gente querer ficar mais tempo, temos um planejamento. Nós falamos que viajamos três anos e meio, muitas pessoas se surpreendem. De repente, a gente gostaria de ficar mais tempo num país. No Canadá, por exemplo, ficamos quase seis meses e só conhecemos a costa Leste, porque a gente prefere viajar um pouquinho mais devagar, mas conhecer com qualidade e aprender um pouquinho sobre a cultura, os costumes de cada lugar.

chegada ao Alasca
Chegada ao Alaska, a última fronteira das Américas – Foto Terra Adentro

– O roteiro de vocês pelas Américas incluiu lugares desafiadores, como a inóspita Patagônia e a misteriosa Cordilheira dos Andes. Como sobreviver a esses desafios?

Henrique – O roteiro pelas Américas, realmente, envolveu grandes desafios, como a Patagônia, a Cordilheira dos Andes, a selva Colombiana, o Alaska. Enfim, foram inúmeros desafios, cada um com suas peculiaridades. Talvez, o mais difícil foi, em um prazo de tempo muito pequeno, ter que se adaptar a ambientes, locais tão extremos, tão diferentes, tão contrastantes. Às vezes, num mesmo dia, a gente estava num local muito frio, passava por um deserto com um calor escaldante e terminava a noite numa altitude de quatro mil metros, passando frio novamente. Grandes contrastes. Isso foi mais difícil, foi o mais desafiante pelas Américas, incluir paisagens e locais tão diferentes, tão peculiares e que transformaram essa nossa viagem de 500 mil quilômetros em momentos tão inesquecíveis, tão especiais.

– O que representa o lançamento do livro “Terra adentro entre os extremos das Américas”?

Sabrina – Lançar nosso livro foi uma grande conquista e uma realização de um sonho, porque nós somos fotógrafos. Eu sou jornalista, o Henrique gosta muito de escrever. Então, ao longo da nossa viagem, temos um longo prazer em escrever, fotografar, registrar os momentos que vivemos. E a realização deste livro foi um momento muito especial, porque nós podemos mostrar o trabalho que fazemos, além do que a gente já mostra nas redes sociais e no nosso site.  Além de ele ajudar a financiar nossa viagem, ele é importante, porque é nossa marca, é a nossa história que a gente imprimiu e vai deixar para o mundo conhecer como foi nossa aventura pelas Américas.

Aurora Boreal no Alaska
Aurora Boreal no Alaska – Foto Terra Adentro

– O livro foi lançado por meio de um financiamento coletivo. O objetivo era arrecadar R$ 32 mil, e a captação ultrapassou os R$ 59 mil. Qual é uma possível causa para o apoio em massa a um sonho que é de vocês dois?

Henrique – Sobre o financiamento coletivo para o lançamento do livro, foi uma grata surpresa todo o valor que a gente arrecadou. Isso reflete todo nosso trabalho, empenho nesse projeto, todas as amizades que fizemos. A gente sempre quer buscar ajudar todas as pessoas que querem realizar esse sonho. A gente tem muito isso porque, quando ainda estava sonhando, planejando, a gente teve ajudas muito preciosas de pessoas que já viveram experiências similares. Então, temos esse sentimento conosco de querer retribuir isso também. Acreditamos que isso foi muito importante para o sucesso da nossa campanha. A campanha terminou, mas nosso livro ainda está à venda através do nosso site Terraadentro.com

Terra adentro capa do livro

Sala de Leitura

Quinta-feira, às 9h40, na Rádio CBN Juiz de Fora (AM 1010)

 

 

 

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade pelo seu conteúdo é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir postagens que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.



Leia também