Por mais visibilidade das mulheres no mercado editorial

Por Marisa Loures

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Letícia Zampiêr é mediadora, em Juiz de Fora, do Leia Mulheres, movimento que já se espalhou por mais de 70 cidades do país -Foto Divulgação

Todo primeiro sábado do mês, como vai acontecer dia 7 de abril, um grupo de mulheres, vinculadas ao movimento Leia Mulheres, está reunido nas dependências da Biblioteca Redentorista. Nas mãos, um livro. Sempre escrito por mulheres. Acredito que há quem discorde da causa delas (principalmente nestes tempos de discussões tão acaloradas sobre feminismo), mas é uma questão de estatística. As mulheres têm menos visibilidade no mercado editorial brasileiro, conforme aponta o grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, vinculado à universidade de Brasília.

“Nos resultados parciais, eles encontraram que, entre 1965 e 2014, mais de 70% dos livros publicados por grandes editoras foram escritos por homens, 90% por brancos e 50% por autores do eixo Rio de Janeiro/São Paulo. O estudo também aponta que 60% dos protagonistas das histórias são homens, sendo 80% brancos e 90% heterossexuais”, pontua a estudante de psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora e youtuber Letícia Zampiêr, também mediadora do Leia Mulheres aqui na cidade.

“Acho difícil de acreditar que não existem mulheres, negros e outras minorias com boas histórias e textos de qualidade para serem publicados”, avalia ela, que trouxe o movimento para Juiz de Fora em 2016. Realizado no formato de um clube de leitura, o Leia Mulheres nasceu inspirado no projeto #readwomen2014, da escritora britânica Joanna Walsh e já está em mais de 70 cidades do país. O objetivo delas é claro: lutar por mais visibilidade das autoras na literatura.

Para o próximo encontro, marcado para começar às 14h, o livro da vez é “Kindred – laços de sangue”, de Octavia E.Butler. É uma obra de ficção científica que conta a história de Dana, uma escritora negra que vive na Califórnia. Um dia, ela se vê subitamente transportada para uma fazenda escravista de Maryland no século XIX, logo antes da Guerra de Secessão, onde ela se encontra com seus antepassados. Nesse bate-papo, Letícia nos dá detalhes do Clube de Leitura, diz o porquê de discordar do termo literatura feminina e nos dá dicas valiosas de autoras contemporâneas.

 Marisa Loures – Como são os encontros do Leia Mulheres em Juiz de Fora?

Letícia Zampiêr – Os encontros são bem abertos. Conversamos sobre as partes que achamos mais interessantes no livro, que nos fizeram pensar sobre nossas vidas e a sociedade. Sempre extrapolamos os temas do livro para pensar a contemporaneidade e questões de gênero, raça, classe, território, geração e etc. Os livros são escolhidos entre o grupo, durante os encontros. Tentamos abranger a maior variedade possível de livros, de épocas, países, gêneros, formatos e temáticas diferentes. Esse ano decidimos fazer uma agenda semestral. Vamos ler “Kindred – laços de sangue”, da Octavia E.Butler, em abril; “Os homens explicam tudo para mim”, da Rebecca Solnit, em maio; “Persépolis”, da Marjane Satrapi, em junho; e “Jane Eyre”, da Charlotte Brontë, em julho.

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Em Juiz de Fora, grupo se reúne todo primeiro sábado do mês para discutir sobre obras escritas por mulheres – Foto Divulgação

– Como o projeto tem sido recebido pelos leitores? Eles veem sua causa como legítima?

– Boa parte das pessoas veem como uma causa legitima. O que temos percebido é que, desde que o movimento começou no Brasil, as mulheres têm, sim, recebido mais atenção do mercado editorial, mesmo que a passos lentos. E isso só acontece porque os leitores, cada dia mais, estão comprando autoras e pressionando as editoras para publicá-las.

– E quais as razões de as mulheres serem menos editadas?

– Pelo mesmo motivo que ainda ganhamos menos no mercado de trabalho, ainda fazemos jornada dupla e ainda somos mortas pelo simples fato de sermos mulheres. Apesar dos muitos avanços do feminismo, a divisão de homem-público e mulher-privado, ainda não caiu totalmente. Ainda somos vistas como objetos, como tendo menos valor. Nossas vozes e experiências ainda são postas como segunda categoria, enquanto a dos homens brancos ainda valem como universal.

– Embora as mulheres tenham menos visibilidade, entre os Bestsellers, elas tomam conta do mercado com os chick-lits. Como vocês avaliam esse tipo de literatura, que, muitas vezes, é vista com certo preconceito? Eles devem ser lidos? Vocês também levam para os encontros autoras que investem nesse gênero?

– Acredito que todo livro tem seu valor, mesmo que seja de puro entretenimento. Eu li muitos desses livros quando era adolescente e acredito que eles tenham contribuído muito para minha formação como leitora. Até hoje leio, quando procuro por algo mais leve e divertido. O grande problema é considerá-los livros de menor valor, menor  importância, por serem escritos por mulheres. O próprio termo é pejorativo, em tradução literal é algo como “literatura de menininha”. Por que os homens que escrevem livros comerciais também não recebem sua própria categoria? Acho que não lemos nenhum livro que possa ser considerado desse gênero, talvez “Pequenas grandes mentiras”, da Liane Moriarty. Tentamos escolher livros que tratem de questões sociais, que discutam e critiquem a sociedade. Mas infelizmente esses não são os livros que chegam ás listas de bestsellers, na maioria das vezes.

– No ano passado, a escritora Nélida Piñon, primeira mulher presidente da Academia Brasileira de Letras, declarou que detesta o termo Literatura Feminina, porque, para ela , a escrita é ambígua. Como o Leia Mulheres encara esse termo?

– Respondendo por mim, também detesto o termo. Falar em literatura feminina implica uma literatura masculina, e isso não existe. Por que os homens brancos héteros escrevem sobre as experiências universais do ser humano, mas as mulheres, os negros, os LGBTs, não? O próprio termo comprova o lugar que o mercado editorial atribui às mulheres: uma subcategoria, diferenciada da literatura geral, que, podemos assumir, só pode ser escrita por homens.
– A escritora Clara Averbuck, criadora do site Lugar de Mulher, fez um desabafo há uns quatro anos, dizendo que se sentia lisonjeadíssima quando diziam que ela escrevia como homem. Hoje, ela se sente arrependida por ter pensado assim. A gente pode falar que existe um jeito mulher de escrever?

– Não acredito que existe um jeito mulher de escrever. Acredito que exista um jeito mulher de existir. E por isso acredito que seja tão importante que elas tenham mais visibilidade. Existem situações e questões que, por conta da posição e dos papeis sociais que lhes são impostos, só as mulheres experienciam, e é importante que elas possam falar sobre isso. É o famoso lugar de fala. Mas isso não significa que, por serem experiências particulares das mulheres, que elas não devam importar e falar a todos. Por que as questões das mulheres diriam respeito somente às mulheres se vivemos em sociedade?

– O caso da Clara mostra que, pelo jeito, o preconceito à escrita das mulheres começa já entre as próprias autoras mulheres. Isso ocorre pelo medo de não serem aceitas pelo mercado?

– Acredito que sim. Um exemplo é a autora de Harry Potter, J. K. Rowling, a quem foi dito que seria melhor usar suas iniciais na publicação para que não soubessem que ela era mulher, e os meninos comprassem seus livros. Além disso, acho que a referência de escrita na literatura sempre foram os homens. Isso é nítido na escola. Quantas autoras a gente estudou? E quantos autores? O mesmo se repete nas listas de indicações, nos prêmios e feiras literárias. Mas acredito que isso tem mudado, e que o Leia Mulheres faz parte disso. Discutir sobre o lugar da mulher na literatura e visibilizar os trabalhos de autoras abre portas para que novas escritoras tenham em quem se inspirar e se espelhar.

– Quais autoras contemporâneas você indicaria e por quê?

– Roxane Gay, uma autora estadunidense negra que escreve tanto ficção quanto não-ficção. No Brasil, já foram lançados “Má feminista”, um livro de ensaios sobre feminismo, e “Fome”, um livro de memórias sobre sua relação com o seu corpo. Chimamanda Ngozi Adichie, uma escritora nigeriana que vive nos Estados Unidos e trata de temas, como raça, imigração e feminismo. Elena Ferrante, uma autora italiana que escreve sobre as vivências das mulheres de uma forma muito bonita e real. Svetlana Alexiévitch, escritora e jornalista bielorrussa, ganhadora no Nobel de literatura de 2015. No Brasil, foram lançados três de seus livros: “O fim do homem soviético”, sobre a queda da URSS, Vozes de Tchernóbil, sobre o desastre nuclear e sobre as pessoas que foram afetadas e “A guerra não tem rosto de mulher”, sobre o papel das mulheres russas na Segunda Guerra Mundial. Brasileiras, indicaria Eliane Brum, Angélica Freitas, Noemi Jaffe, Carol Bensimon e Ana Martins Marques. Todas são autoras de qualidade indiscutível, que tratam dos temas mais variados, de maneira bela e real.

 

Leia Mulheres

Todo primeiro sábado do mês, às 14h, na Biblioteca Redentorista (Av. dos Andradas 855 – Morro da Glória).

Sala de Leitura

Quinta-feira, às 9h40, na Rádio CBN Juiz de Fora (AM 1010).

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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