A recente decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) contra o cantor Gusttavo Lima trouxe à tona um debate sobre responsabilidade artística e privacidade.
A condenação obriga o sertanejo a pagar R$ 70 mil por danos morais a um homem que teve seu número de telefone divulgado na música “Bloqueado”, lançada em 2021. O caso, que já teve desdobramentos semelhantes em outros estados, levanta questões sobre os limites da liberdade artística e as consequências não intencionais de obras musicais.
Processo e a decisão judicial
A ação foi movida por um pernambucano que, após o sucesso da música “Bloqueado”, passou a receber incessantes ligações e mensagens, o que atrapalhou sua rotina e comprometeu seu trabalho. A decisão foi unânime entre os desembargadores da Segunda Câmara Cível do TJPE, sendo mantida a sentença da 26ª Vara Cível da Capital.
O relator do processo, desembargador Alberto Nogueira Virgínio, ressaltou que a citação direta ao número de telefone configura uma violação à privacidade e ao sossego do autor da ação.
Segundo o magistrado, a indenização de R$ 70 mil foi fixada levando em conta tanto os transtornos causados ao proprietário da linha telefônica quanto o poder econômico do artista, visando desestimular ações similares no futuro.
Não é a primeira condenação
O caso de Pernambuco não é isolado. Em 2022, ações semelhantes foram movidas por uma mulher do Paraná e um homem de Minas Gerais, que também tiveram seus números de telefone citados na canção e enfrentaram importunações. Ambos venceram seus processos na Justiça e foram indenizados.
A repetição de casos levanta a discussão sobre a responsabilidade de artistas e compositores ao utilizarem informações reais, mesmo que de forma não intencional. A inclusão de dados que possam ser atribuídos a terceiros pode gerar consequências jurídicas inesperadas.
Defesa de Gusttavo Lima
A assessoria jurídica de Gusttavo Lima já informou que irá recorrer da decisão, alegando que o cantor é apenas intérprete da música e que os compositores foram os responsáveis pela inserção do número na letra. Além disso, a defesa argumenta que:
- O número citado na música foi escolhido de maneira aleatória, sem qualquer indicação de quem seria o dono da linha telefônica;
- A decisão do TJPE vai na contramão de outras decisões sobre casos semelhantes;
- A Constituição Federal assegura a liberdade de expressão e criação artística, impedindo censura prévia em obras culturais.
Esses argumentos apontam para uma possível reavaliação do caso em instâncias superiores, embora o TJPE tenha se mostrado firme em sua decisão.
Responsabilidade artística
A condenação do cantor reacende um debate relevante: até que ponto a liberdade artística pode ser exercida sem que haja impacto na vida de terceiros? No Brasil, a Constituição Federal protege tanto a liberdade de expressão quanto os direitos individuais à privacidade e ao sossego.
O desafio, nesses casos, é equilibrar esses princípios para evitar danos desnecessários a terceiros sem comprometer a criatividade dos artistas.
Muitos compositores utilizam números fictícios ou censuram trechos sensíveis para evitar situações como essa. Nos Estados Unidos, por exemplo, a indústria do entretenimento costuma utilizar o prefixo telefônico “555” em filmes e séries para impedir que pessoas reais sejam afetadas.
No Brasil, casos como o de Gusttavo Lima podem motivar uma maior preocupação com a inclusão de informações que possam comprometer indivíduos desconhecidos.
O que vem a seguir?
O caso ainda não chegou ao fim, pois a defesa do cantor pretende recorrer. Se o processo for levado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou mesmo ao Supremo Tribunal Federal (STF), poderá abrir um debate ainda maior sobre a interseção entre criação artística e privacidade.
Enquanto isso, Gusttavo Lima continua com sua agenda de shows e projetos, mas terá que lidar com essa nova batalha jurídica. O desfecho desse caso poderá impactar não só o cantor, mas toda a indústria musical, trazendo mudanças na forma como músicas são escritas e divulgadas no Brasil.