O Recife Antigo, um dos bairros mais históricos da capital pernambucana, tem sido palco de uma das descobertas arqueológicas mais importantes do Brasil. Abaixo das ruas da Comunidade do Pilar, arqueólogos encontraram um imenso cemitério que remonta ao período colonial, repleto de esqueletos e artefatos que ajudam a contar a história da região.
Desde o início das escavações em 2010, mais de 180 esqueletos foram retirados do local, mas o número pode ser muito maior. Em 2025, novas escavações revelaram ainda mais ossadas, reforçando a importância do Sítio do Pilar como o maior achado urbano devastado do país.
A região do Sítio do Pilar é marcada por uma história intensa e repleta de transformações. A Igreja de Nossa Senhora do Pilar, construída em 1680, dá nome ao bairro e foi erguida sobre as ruínas do antigo Forte de São Jorge, que, no século XVII, teve um papel estratégico durante a ocupação holandesa no Brasil.
A localização privilegiada entre o Porto do Recife e o caminho para Olinda fez com que o local fosse palco de batalhas, epidemias e constantes mudanças populacionais.
Descoberta do cemitério e seus primeiros achados
Os primeiros rumores do cemitério surgiram em 2010, quando arqueólogos foram chamados para acompanhar a construção de um conjunto habitacional na área. A vistoria revelou ossadas, e logo se descobriu que a região abrigava um cemitério antigo. Com a continuidade das escavações, foram descobertos fragmentos de esqueletos, históricos que o local serviu como espaço de sepultamento por vários séculos.
No início de 2025, os trabalhos foram retomados e os pesquisadores se surpreenderam com a quantidade de esqueletos encontrados. Somente nas primeiras semanas de janeiro, cerca de 20 esqueletos foram retirados de uma área relativamente pequena. Segundo a arqueóloga Ana Nascimento, responsável pelas escavações, onde quer que se cave, encontre-se ossadas, o que indica que o cemitério pode ser muito maior do que se planejou inicialmente.
Importância antropológica e histórica dos restos humanos
Uma análise dos esqueletos encontrados no Sítio do Pilar revela detalhes sobre a população que viveu na região durante os séculos passados. A maioria dos restos mortais pertence a indivíduos com características europeias, embora ainda haja muitos ossos aguardando estudo. Os pesquisadores também identificaram esqueletos de mulheres, adolescentes e até de um bebê enterrado em um caixão de madeira.
Além disso, a forma como os corpos foram enterrados indica diferentes práticas funerárias. Muitos esqueletos estavam em mortalhas, um tecido que envolvia o corpo, enquanto outros foram colocados em caixões. O desgaste nos dentes de alguns indivíduos aponta para hábitos comuns do período colonial, como o uso frequente de cachimbo.
Objetos históricos encontrados no local
Junto com os esqueletos, arqueólogos encontraram milhares de fragmentos de objetos que ajudaram a reconstruir o cotidiano das pessoas que viveram ali. Entre os itens desenterrados estão balas de canhão, cachimbos, louças, cerâmicas e garrafas. Até o momento, mais de 200 mil fragmentos foram catalogados, tornando a escavação um verdadeiro tesouro.
A grande quantidade de esqueletos encontrados em camadas sobrepostas levanta a possibilidade de que o local tenha sido utilizado durante períodos de epidemias. Nos séculos passados, doenças como cólera, febre amarela, varíola e gripe espanhola atingiram duramente a população do Recife. Muitos corpos foram enterrados rapidamente devido a surtos epidêmicos que podem assolar a cidade, o que explicaria a grande concentração de esqueletos em determinadas áreas do sítio.
Passado militar da região
Outro fator relevante para a grande quantidade de ossadas no Sítio do Pilar é o histórico militar da região. Durante a invasão holandesa (1630-1654), o Forte de São Jorge foi um ponto estratégico para defesa e, posteriormente, transformado em enfermaria. O historiador Bruno Miranda destaca que mais soldados morreram de doenças do que em batalhas, ou que podem ter contribuído para o grande número de enterros no local.
As tropas da Companhia das Índias Ocidentais, que controlavam Pernambuco durante o domínio holandês, eram compostas por soldados de várias nacionalidades, incluindo neerlandeses, alemães, ingleses e franceses. Muitos desses combatentes podem ter sido sepultados na área do atual Sítio do Pilar.
Impacto das descobertas no presente
Atualmente, a Prefeitura do Recife tem planos de transformar a área em um circuito turístico, criando um museu a céu aberto para preservar e divulgar a história do Sítio do Pilar. A intenção é conectar as ruínas do Forte de São Jorge com outros pontos históricos do Recife Antigo, como a muralha construída pelos holandeses no século XVII.
Além disso, o projeto habitacional que motivou as escavações seguem em andamento. A prefeitura pretende entregar 588 apartamentos para famílias da comunidade, ao mesmo tempo em que trabalha para equilibrar a necessidade de moradia com a preservação do patrimônio histórico.
Com novas escavações previstas e uma série de análises em andamento, o cemitério do Sítio do Pilar promete continuar surpreendendo pesquisadores e trazendo à tona histórias enterradas há centenas de anos.