Sabores que contam histórias

A influência da política, religião e cultura na gastronomia

Por Fábio Lessa

A influência da política, religião e cultura na gastronomia é uma combinação poderosa que molda os hábitos alimentares e as tradições culinárias ao redor do mundo. Como disse o renomado folclorista brasileiro Câmara Cascudo, o alimento é um testemunho vivo da história. Por meio da comida, podemos compreender as transformações sociais, as migrações, as influências culturais e até mesmo as relações de poder que permeiam uma sociedade. A influência da política na religião, cultura e gastronomia é uma realidade que molda a história e a diversidade culinária de uma sociedade. Ao longo dos séculos, a política exerceu um papel significativo na forma como a religião é praticada, as culturas são preservadas e como isso se reflete na gastronomia.

Durante o período colonial, por exemplo, a política colonialista exercida por países europeus influenciou profundamente as tradições religiosas, culturais e gastronômicas dos povos colonizados. No contexto brasileiro, a chegada dos colonizadores portugueses trouxe consigo o cristianismo e o catolicismo como religiões dominantes. A imposição dessa religião teve um impacto direto na cultura e na gastronomia dos povos indígenas e africanos que foram subjugados. Muitas de suas crenças e práticas religiosas foram suprimidas ou adaptadas à doutrina cristã, afetando também seus costumes alimentares. Segundo o antropólogo Raul Lody, o uso marcante da carne de porco e de seus derivados até hoje em Minas Gerais, teve no Brasil colonial uma conotação extra gastronômica. O ritual de abate e consumo do porco marcava aquela residência como não pertencente à Judeus. Essas práticas eram extremamente importantes entre os séculos XVIII e XIX, onde a relação do poder Estado e Igreja era unificada. A grande presença de Jesuítas fez com que, dessa forma, se mostrasse necessário a manifestação pública de fé cristã.

Um outro exemplo notável é o Candomblé, religião de matriz africana praticada principalmente no Brasil. Durante o período colonial, os escravos trazidos da África mantiveram suas crenças religiosas, mesmo que de forma clandestina. Para preservar suas tradições, eles buscaram adaptar suas práticas religiosas às aparências do catolicismo, associando seus orixás aos santos católicos. Essa fusão sincrética resultou na formação do Candomblé como conhecemos hoje. A influência política foi evidente nesse processo, pois a repressão às religiões africanas e a imposição do catolicismo moldaram a maneira como o Candomblé se desenvolveu. 

Essa influência política na religião tem reflexos na cultura e na gastronomia do Candomblé. Os alimentos desempenham um papel fundamental nos rituais candomblecistas, pois são vistos como uma forma de conexão com os orixás. No entanto, além das restrições alimentares impostas pelo catolicismo, há também uma prática chamada “quizila” que é característica do Candomblé. A quizila consiste em evitar a mistura de certos alimentos em uma mesma refeição, seguindo regras e restrições específicas. Essas restrições alimentares são parte integrante da tradição religiosa e representam um profundo respeito pelos orixás e pela energia sagrada presente nos alimentos.

A feijoada também é um reflexo da diversidade cultural do Brasil, incorporando influências indígenas, africanas e europeias. É um prato que representa a mistura de sabores, tradições e heranças culturais presentes no país.

Valorização das tradições culinárias

Além do período colonial, a política continua a exercer influência na gastronomia por meio de regulamentos e leis relacionados à produção, distribuição e segurança alimentar. As políticas governamentais podem incentivar a agricultura sustentável, promover a valorização das tradições culinárias locais e apoiar as famílias agrícolas. Ao reconhecer e apoiar esses produtores, preservamos a diversidade e a autenticidade da gastronomia, além de fortalecer as comunidades locais.

É importante ressaltar que, ao mergulharmos na gastronomia de uma cultura específica, devemos ter cuidado ao pronunciar e escrever corretamente os nomes dos preparos culinários. Cada prato carrega consigo uma história, uma tradição e um significado cultural. Ao errar o nome de um preparo, além de demonstrar desconhecimento, também é um desrespeito àquela cultura e à herança cultural que o prato representa. Estudar a história da gastronomia e familiarizar-se com os nomes corretos dos preparos é fundamental para apreciar e respeitar plenamente as tradições culinárias de um povo.

Em suma, a influência política na religião, cultura e gastronomia é uma realidade que moldou e continua a moldar as tradições alimentares em diferentes sociedades. O exemplo do Candomblé durante o período colonial, com suas adaptações religiosas e práticas alimentares específicas, é apenas um dos muitos casos em que as decisões políticas impactaram a religião, a cultura e a gastronomia. É essencial compreender essas interações, respeitar as tradições culinárias como forma de honrar a história e a cultura de cada prato.

Fábio Lessa

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