No ano de 1982, James Q. Wilson e George L. Kelling apresentaram ao mundo uma das ideias mais influentes no campo da política criminal e da segurança pública de que se teve notícia nas últimas décadas: “Considere um edifício com algumas janelas quebradas. Se as janelas não forem reparadas, a tendência é que vândalos quebrem mais janelas. Após algum tempo, poderão entrar no edifício e, se ele estiver desocupado, torna-se uma ‘ocupação’ ou até incendeiam o edifício.”
A partir dessa premissa analógica, concluem: a estratégia eficaz de enfrentamento à criminalidade reside na enérgica reação a ações que, talvez sob um olhar inicial, não ostentassem maior ofensividade. Nessa lógica, a ‘tolerância zero’ a esses comportamentos menores desestimularia a ascendência de uma curva de ações delituosas que poderiam desaguar em atos de delinquência mais ousados.
A sedutora teoria, batizada de ‘Teoria das Janelas Quebradas’, conquistou corações e mentes fora do ambiente acadêmico, servindo como referencial teórico de políticas de governos de coloração penal maximalista mundo afora.
A decisão de Alexandre de Morais que determinou medida de busca e apreensão contra empresários entusiastas de um golpe de estado, conscientemente ou não, aparenta beber na velha Teoria das Janelas Quebradas (adaptada ao enredo eleitoral brasileiro). Algo sugere que o recém-empossado Presidente do Tribunal Superior Eleitoral decidiu ser espartano logo de saída, no afã de evitar que o edifício democrático fosse rapidamente apedrejado — ou até incendiado.
Mas isso conduziria à conclusão de que a decisão do Ministro foi acertada? A resposta não é simples e traz outras indagações: ações pautadas nessa premissa (‘tolerância zero’) são acertadas sob a ótica político-criminal? O que dizem os críticos à ‘tolerância zero’? São políticas eficazes nos resultados buscados? E sob o ângulo jurídico, como ficam seus limites (leis e Constituição)? O buraco, como se vê, está quilômetros abaixo.
Não consigo deixar de notar, contudo, que há uma notável preocupação com eventual excesso em que Moraes possa ter incorrido com seu recado aos megaempreendedores antidemocratas. Editoriais, colunas e outros espaços de opinião alertam para uma possível atuação apressada e abusiva.
O alerta tem razão de ser. Mas também estejamos atentos para o fato de que, ainda que normalmente não mirem megaempresários, o país convive todos os dias com ações de ‘tolerância zero’. Não somente buscas domiciliares ou quebras de sigilo, mas mesmo prisões ilegais e desnecessárias foram incorporadas ao cotidiano de muitos brasileiros.
Ou interrompemos essa ‘sensibilidade seletiva’, ou seguiremos sendo a prova do acerto da máxima orwelliana: “Todos iguais, mas uns mais iguais que os outros”.
Quanto ao Ministro Alexandre, me vem à mente o título de um majestoso artigo de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho: “Teoria das Janelas Quebradas: e se a pedra vem de dentro?” Talvez seja por aí.