Desde a instauração do chamado “inquérito das fake news”, Alexandre de Moraes deixou de ser “mais um” ministro do STF para se tornar uma personagem de destaque no enredo jurídico-político nacional. Desde então, sua trajetória é marcada por um perfil por muitos visto como “combatente” – o que, na contramão, também lhe rende muitas críticas, em especial quanto a supostos métodos inquisitoriais perceptíveis em sua rotina judicante.
A intentona golpista de 8 de janeiro, entretanto, acentuou essa silhueta: como resposta aos atentados em Brasília, o alcunhado “Xandão” amplificou sua atuação de ofício (sem provocação), fortalecendo a concentração de investigações em seu próprio gabinete, não hesitando em expedir ordens restritivas (sejam prisões ou outras medidas) que exibem extremo rigor e confirmam seu perfil draconiano.
A questão que se coloca é: em nome de uma defesa enérgica de uma democracia concretamente ameaçada, legitima-se uma postura judicial dessa natureza?
É possível se invocar, nesse momento, a noção de “democracia militante”, desenvolvida pelo jurista alemão Karl Loewenstein. Nessa perspectiva, a democracia deve prever mecanismos de defesa contra os extremismos, abrindo-se a possibilidade até da restrição a determinadas garantias ante ameaças reais à própria existência do regime democrático.
Noutro flanco, contudo, há quem enxergue esse cenário com preocupação. Por mais que a preservação da democracia esteja a exigir respostas duras dos poderes constituídos (em especial quando as ameaças são concretas e reais), a própria democracia poderia estar em risco com uma atuação judicial pouco deferente aos limites impostos pelo Direito vigente.
Um desses limites é chamado de “sistema acusatório”. Em arriscada síntese, a noção de sistema acusatório nos conduz a um determinado perfil do sistema da justiça criminal, onde o juiz, na salvaguarda de sua imparcialidade, não há de imiscuir em atividades estranhas à função judicante. Assim, lhe descabe, nessa perspectiva, a tomada de providências “de ofício” em desfavor de acusados e investigados – por exemplo.
“- Mas o que fazer, então? Como preservaríamos a democracia no Brasil, não fossem essas medidas excepcionais do ministro?”
Percebamos que essa discussão não é simplória. A tensão entre uma democracia militante, que torna uma Corte Suprema e seus juízes personagens mais combativos na proteção ao regime democrático, e a preservação do sistema acusatório e do devido processo legal não há de ser resolvida no calor do falatório das redes sociais ou nas narrativas políticas de ocasião. Tanto menos nessa coluna. É preciso compreender a singularidade desse momento (abrindo, sim, algum espaço para a percepção da excepcionalidade que se atravessa), mas sem perder de vista que a democracia se notabiliza pelos limites ao exercício dos poderes.
Estejamos atentos. Afinal, como pronunciou o médico e físico suíço-alemão Paracelso, no século XVI, “a diferença entre o remédio e o veneno está [apenas] na dose.”