Após aparente calmaria com o julgamento das ADC’s 43, 44 e 54 _ em que se retomou a limitação constitucional do “trânsito em julgado” como marco permissivo para o afastamento da presunção de inocência (e consequente início de cumprimento de uma pena), a questão volta ao centro das atenções.
É que o tema do cumprimento imediato da pena no Tribunal do Júri acabou sendo conduzido ao STF no RE 1.235.240 cuja relatoria fora distribuída ao Min. Luis Roberto Barroso. Reconhecida a repercussão geral do tema, o relator fixou a seguinte tese: “A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”.
Nessa proposta, Barroso insiste num raciocínio que já vinha sendo anunciado em outros precedentes de sua relatoria: o princípio constitucional da soberania dos veredictos deveria prevalecer sobre a presunção de inocência, em especial sobre a exigência de que se aguarde o trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena.
Após recente voto do Min. André Mendonça (na linha do relator), se formou maioria em favor da tese inaugural, fixando-se que todo condenado no Júri haveria de iniciar de pronto o cumprimento de sua pena.Todavia, o julgamento, que vinha se desenvolvendo no chamado “Plenário virtual” (onde os votos são postados na plataforma do Tribunal), foi encaminhado ao Plenário (físico) do STF após pedido de destaque do Min. Gilmar Mendes.
Isso significa que o debate será reaberto (em sessão presencial), com possibilidade de modificação de votos já proferidos.
E é fundamental que esse erro que vinha se anunciando seja corrigido.
A tese fixada pelo relator atribui sentido absolutamente estranho à soberania dos veredictos. Este princípio está relacionado ao respeito que se impõe à decisão dos jurados, mas não vai ao ponto de impedir nova análise do caso penal, eis que o recurso de apelação viabiliza reexame da decisão. No limite, quando for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos, a decisão do Tribunal de segunda instância pode determinar novo julgamento.
É preciso eliminar o paradoxo em que uma garantia individual é utilizada como argumento que se volta contra o indivíduo. Ademais, é falsa a colisão “soberania dos veredictos versus presunção de inocência”, uma vez que soberania dos veredictos nada tem a ver com a execução antecipada da pena.
Ainda que haja uma sensível antipatia à exigência constitucional de trânsito em julgado para o início do cumprimento de uma pena, não se pode lidar com a Constituição como se ela fosse um espelho a refletir nossas predileções. Como lembrou o ex-Ministro Eros Grau quando do julgamento do Habeas Corpus 84.078 (em 2009), a hermenêutica não permite alterar o texto constitucional – ainda que não se simpatize com o que está ali escrito.