Ter dinheiro não lhe protege do racismo no Brasil

Por Luiz Carlos S. Faria Junior

O racismo é componente estrutural da sociedade e do Estado brasileiro. O que quero dizer com isso? Que o racismo não acabou com o “fim” da escravidão e que vai muito além dos atos individualizados de preconceito e discriminação isolados que ocorrem no dia a dia.

O racismo é um sistema de poder que estrutura as relações sociais no Brasil e tem sido construído há 500 anos enquanto uma hierarquia racial que determina que pessoas negras e seus caracteres estão em condição de inferioridade em relação a pessoas brancas. O racismo se encontra nas instituições do Estado e nas relações privadas, nas relações afetivas e familiares, nas empresas e nas escolas, nos espaços de poder e nos espaços de privação de poder e liberdade.

Tendo feito essa breve explicação, partamos para a análise de um caso que chamou a atenção na última semana, no qual a empresária Lorenna Vieira foi conduzida a uma delegacia após tentar sacar R$1.500 de sua própria conta em uma agência do Itaú.

Os funcionários do banco alegam que houve suspeita de fraude pelo fato da empresária estar tentando desbloquear o cartão e realizar o saque de tal quantia, e, por isso, chamaram as autoridades policiais, que a conduziram à DP, onde conferiram seus dados e documentos e, descartada a suspeita de fraude, a liberaram.

À primeira vista, tal situação parece absurda. No entanto, Lorenna Vieira é uma mulher negra, empresária do setor de cosméticos e noiva do DJ Rennan da Penha, e apesar de ter ascendido socialmente e gozar de boa condição financeira, ou seja, “ter dinheiro”, a cor da sua pele ainda é marcador social que a identifica como criminosa, como alguém que, necessariamente, precisaria cometer delitos para acessar altas quantias financeiras (e saques de R$1.500 nem são considerados de grande monta para instituições financeiras).

E o Direito nessa situação de flagrante racismo? Continua atuando da maneira como sempre atuou, legitimando as estruturas sociais de hierarquização racial neste país. O Direito, enquanto estrutura social, deu suporte à Polícia Civil, que mudou sua narrativa um dia após liberar Lorenna, afirmando que seus documentos eram falsos.

Esse Direito é o mesmo que normalizou, em 1837, que negros, mesmo que libertos, não poderiam frequentar escolas públicas (Lei nº 1 de 1837); é o mesmo que, em 1858, equiparou negros a bens semoventes (Consolidação das Leis Civis de 1858); é o mesmo que em 1890 afirmou que a prática da capoeira era crime (Código Penal de 1890); e é o mesmo Direito que afirma que não importa a sua posição social, se você é negro ou negra, o Estado, através da sua necropolítica, terá legitimidade de lhe abordar de maneira violenta dentro dos limites legais – sendo estes limites, inclusive, flexíveis quando necessários aos objetivos da gestão racial e racista da população, como no caso do desaparecimento do Amarildo, do assassinato de Cláudia Silva Ferreira, da morte de Agatha Félix e tantas outras.

 

Luiz Carlos S. Faria Junior

Luiz Carlos S. Faria Junior

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