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Espaços públicos, desafio ou utopia?
Tornar as nossas cidades mais democráticas e coletivas é um objetivo primordial na atuação de arquitetos e urbanistas por todo o mundo. A criação de espaços, essencialmente públicos, pode ser entendida, inclusive, como a essência da natureza do artefato urbano.
Entretanto, este objetivo parece estar tornando-se cada vez mais uma utopia nas cidades brasileiras e, infelizmente, Juiz de Fora não é exceção. Espaços públicos e semipúblicos vêm sendo tomados pelo caos, potencializado pela incapacidade do poder público de lidar com um cenário de desordem e desigualdade social crescente. Moradores de rua, comércio informal sem controle e, em alguns casos, lixões a céu aberto tornam-se os seus ocupantes. Um cenário aprofundado pelas mazelas da pandemia da Covid-19.
Apesar dos incentivos, ou mesmo das imposições estabelecidas pela legislação urbana para a criação de recuos, áreas abertas, praças semipúblicas, marquises e outros, que agem como convite ao uso do espaço semipúblico, incorporadores e gestores vêm entendendo estes espaços como fonte constante de problema e não mais de virtude. Mesmo as praças públicas, que deveriam ser grandes atrativos para suas vizinhanças, locais de convívio e interação social, transformaram-se em área non-grata, afastando moradores de seu entorno e desvalorizando imóveis. Fato triste, mas comprovado diariamente em nosso cotidiano profissional. Está cada vez mais difícil convencer incorporadores e futuros usuários e moradores a criar e manter abertos espaços semipúblicos. Cada vez mais grades e fechamentos e menos marquises, recuos, jardins e tudo aquilo cujo destino é praticamente incontrolável hoje.
Dito isto, as perguntas que se impõem são: o que fazer? Seria este um cenário irreversível?
Se o poder público não tem condições para enfrentar o problema, é preciso criar meios para que a população e a iniciativa privada o façam. Ações como a adoção de praças e possíveis inserções de operações privadas, vêm se mostrando eficazes como poder de atração de usuários, mas esbarram, muitas vezes, na demagogia e nas vaidades para avançar.
Tal como não existe vácuo de poder, também não existe vácuo na ocupação do espaço público. O único caminho possível é encontrar formas de atrair o usuário disposto a uma ocupação republicana e, no estágio que estamos, isto não ocorrerá sem que algo mais efetivo seja feito. Precisamos transformar a utopia em desafio novamente!
(PC Lourenço e Bruno Sarmento são arquitetos e leitores convidados)