Temos um Natal que acontece longe das vitrines enfeitadas das lojas do centro da cidade; distante das árvores reluzentes do Parque Halfeld. É um Natal que mora nos quartos silenciosos de uma residência geriátrica; em algumas casas que não tem janelas onde o pisca-pisca nunca acende: esse é o Natal de muitas pessoas idosas – aquelas que são (muitas) invisíveis – esquecidas pela cidade – que apesar de iluminada – vive no escuro, quando se trata de oferecer cuidado e pertencimento a elas.
O Natal é a festa da união, é a festa maior da família. Esse é o discurso padrão. Mas, no Natal da vida real, o esquecimento de muitas pessoas idosas vem embrulhado em várias caixas. Na propaganda, são todos sorrisos. Nas ruas, muitos andam com dificuldades. As luzes acesas encobrem as sombras diárias de quem vive a velhice como um exercício de resistência. Nesse período natalino, erguem-se os fogos, mas, quantas dessas luzes iluminam, de fato, as necessidades de quem já viveu tantos Natais?
Há muitos idosos, muitos, que passam o Natal sozinhos, mesmo que rodeado de familiares – é um abandono protocolar – consentido – onde não existe interação humana, de verdade. Os filhos estão ocupados e vivem para as suas famílias, esquecem-se de quem lhes deu a vida. As políticas públicas não existem. A cidade vai se modernizando e, sem perceber, vai retirando pedaços de humanidade de quem ajudou a construí-la. Ainda assim, há beleza. Há uma poesia que nasce nos gestos invisíveis: na senhora que enfeita a porta de sua casa; na conversa tímida com o vizinho que se transformou rapidamente em companhia.
É nesse território afetivo – pequeno, íntimo, resistente – que o verdadeiro Natal se esconde. O Natal para muitas pessoas idosas é feito mais de memórias do que de consumo, como acontece nos dias de hoje. As pessoas idosas guardam a cidade que existia antes dos shoppings, antes dos aplicativos. Elas guardam histórias que nenhum enfeite de vitrine consegue contar. A cada dezembro, são elas que nos lembram que o Natal, antes de ser um evento instagramável, era um rito sagrado.
Como era na casa dos meus avós – Doca e Nilta – em Porciúncula/RJ. Mesa grande na varanda. Frutas e mais frutas. Pernil assado em forno de padaria. Abraços quentes e demorados. Troféu “abacaxi” (para o primeiro convidado que ficava tonto). Comida simples. Risos e mais risos. Choros, também. Pura emoção. O Natal virou um espetáculo de consumo, e menos, de convivência. Sinal dos tempos. Vamos resistindo. Nossa tarefa é devolver a presença a quem foi tornado ausente.
Oferecer tempo a quem nos ofereceu tantos anos da própria vida. Fazer com que a cidade, desacelere – ao menos por um instante – e perceba que existe ali, diante de nós, uma pessoa idosa esperando não por presentes, mas, por pertencimento. Daqui a pouco, seremos nós. Caros leitores e leitoras, desejo-lhes um feliz natal. Com afeto, cuidado e amor.


