Alegria também é protesto

"Essa alegria que insiste em existir, essa alegria teimosa, apesar das ausências sociais e políticas, é um grito sagrado."

Por Jose Anisio Pitico

Envelhecer numa cidade como Juiz de Fora é, por si só, um ato de resistência. Em meio a semáforos com tempo para travessia super rápidos, calçadas esburacadas, espaços públicos que pouco favorecem a presença das pessoas idosas, mesmo assim, elas caminham. Divertem. Dançam. Frequentam grupos de convivências. Tocam a vida. Por exemplo: o senhor que molha as flores do seu jardim na entrada de sua casa e puxa conversa com quem passa na rua, é uma coisa comum, miúda: mas, é acima de tudo, resistência. Com leveza e prazer, elas mostram pra gente que a vida não acaba aos 60,70, 80, 90 ou 100 anos. Pelo contrário: a vida segue, e pode ser rica em afeto, troca e presença. Elas cantam a alegria de um povo triste.

Conscientemente. Há uma potência política no riso de quem, mesmo ignorado historicamente pelas políticas públicas, corajosamente, elas se levantam cedo para o grupo de caminhada, se arrumam com capricho para o culto de domingo, ou simplesmente sentam-se no Parque Halfeld para verem a cidade passar. Essa alegria que insiste em existir, essa alegria teimosa, apesar das ausências sociais e políticas, é um grito sagrado. É um protesto contra a invisibilidade para aqueles e aquelas que passaram dos 60+. A cidade precisa ser gentil e solidária com todos nós que envelhecemos.

Somos mais de 100 mil pessoas. A alegria dessas pessoas que contagia a quem delas se aproximam, não é ingênua. Essa alegria não ignora as dores da idade, as perdas, o etarismo. Mas elas insistem e afirmam: estamos aqui e queremos viver com dignidade. Há quem diga ou há quem pense que o idoso que se diverte está “fugindo da realidade”. Não. E que mal há nisso em se divertir?. Pelo contrário. Pode ser que ele esteja enfrentando a realidade da exclusão social e política de um jeito mais potente do que se possa imaginar. Resistir ao preconceito social através da manifestação da alegria e do bom humor pode ser sim uma forma de construir um outro mundo. Um mundo justo para todas as idades.

Protestar é visto por nós, como sair às ruas, com palavras de ordem e fazendo muito barulho, e lutar por políticas públicas, transformar JF numa cidade amiga da pessoa idosa. Mas pode se constituir em um ato político de protesto e de indignação, quando, por exemplo, um grupo de pessoas idosas fazem no carnaval, um belo desfile no Calçadão, na passagem do Bloco“Recordar é Viver, mostrando para toda aquela multidão de pessoas que envelhecer pode ser diferente, pode ser um tempo de muitas e de outras possibilidades de vida. Quando se faz do cotidiano um manifesto de presença, estamos fazendo política.

Todos nós, mais do que nunca, nos tempos de hoje, precisamos fazer política. Em qualquer idade. A cidade precisa ouvir as pessoas idosas. Não só quando elas reivindicam direitos (precisam fazer isso mais), mas também quando elas cantam, dançam, contam histórias, ou simplesmente caminham pelas ruas com um belo sorriso no rosto. Cada gesto de alegria, cada vestido colorido, são lembretes de que a cidade não é só dos jovens, dos apressados, dos que correm. A cidade também pertence aos que andam devagar, aos que carregam memórias, aos que aprenderam que viver é um ato de coragem – e de prazer.

Alegria é um ato de protesto, porque desafia a lógica corrente do desprezível, do descartável em relação ao momento de viver o nosso envelhecimento. Porque afirma, sem pedir licença: “estamos vivos e temos muito o que viver”. Estou totalmente convencido e aprendi com muitas pessoas idosas: cultivar a alegria é um ato profundamente político.

Jose Anisio Pitico

Jose Anisio Pitico

Assistente social e gerontólogo. De Porciúncula (RJ) para o mundo. Gosta de ler, escrever e conversar com as pessoas. Tem no trabalho social com as pessoas idosas o seu lugar e mantém o canal Longevidades no Youtube (@Longevidades). Contato: (32) 98828-6941

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