Disciplina, em busca da enérgica doçura – Parte II
A natureza não se pode forçar, ela não dá saltos. Pais e professores devem dar os elementos de compreensão, mas sem pressão, para que haja assimilação. A obediência cega, sem respaldo, a proibição sem a explicação adequada, coerente e sensível gera reação e imensa rebeldia.
Será que pais e professores compreendem a hierarquia da sua docência? Entendem que precisam estar preparados (ou se preparar) para educar (que implica, também, corrigir)? Educadores velam almas, quer dizer, não podem dormir, devem manter o estado de alerta constante, atitude que representa o sentimento de amor e de ajuda que nasce como vocação. E “o amor sem compreensão é variável e instável”, já afirmava González Pecotche, educador argentino. A compreensão desta realidade, aliada à paciência e ao afeto, vão sustentar a débil vontade/fragilidade do caráter discente.
A rebeldia é uma manifestação normal e própria da adolescência, ela pode favorecer a construção da identidade quando acompanhada carinhosa e firmemente pelas mãos docentes. Falo aqui das atitudes de constante questionamento, de oposição e contestação das normas, da não aceitação da submissão, ansiando por mais liberdade e querendo expandir seu poder de gerência e decisão em relação à própria vida, o que, por vezes, acontece de forma voraz e agressiva. Essas reações costumam surgir e devem ser observadas sempre e atentamente pelos educadores, para identificarem possíveis desvios ou excessos e orientar/atuar a tempo. Sócrates, na idade antiga, já observava o comportamento dos jovens e chegou a afirmar que “eles rebelam-se contra seus pais, tiranizam seus mestres”. Esta realidade parece fazer parte da história da humanidade e faz sentir a sensação de que nada ou pouco tem sido feito para remediar essa lamentável situação.
Alguns adolescentes demonstram uma rebeldia maximizada, querem chamar tanta atenção para si, que criam “marcas” exageradas. Parecem querer olhares, cuidado, mais amor, como se faltasse algo para preencher o vazio que sentem.
A atitude dos filhos e alunos é, quase sempre, o eco da indiferença/interesse, generosidade/egoísmo, amor/desamor que experimentam. Quantos vivem violências diárias? Mutilações afetivas? Sentem que seus pais se divorciam deles? Quantos assumem o papel de “aborrecentes” porque foram rotulados pelos próprios educadores? Quantos não querem voltar para casa no final do dia ou irem para a escola? Quantos carecem de rotina, de hábitos saudáveis, de um ambiente estável e organizado?
A natureza não se pode forçar, ela não dá saltos. Pais e professores devem dar os elementos de compreensão, mas sem pressão, para que haja assimilação. A obediência cega, sem respaldo, a proibição sem a explicação adequada, coerente e sensível gera reação e imensa rebeldia.
A televisão tem noticiado experiências envolvendo infrações de adolescente de toda ordem, indisciplina e violência incontroláveis, algumas vêm carregadas de justificativa dos pais dizendo que não tinham mais controle sobre seus filhos, outras trazem depoimentos de professores temerosos, outros de omissão, alguns delegam à instâncias superiores a responsabilidade dos fatos, muitos nem sequer tomam conhecimento… A família implodiu e vem se desterritorializando…
Estamos vivendo uma verdadeira crise de autoridade: pais e professores não sabem o comportamento que lhes correspondem, carecem de elementos sobre como orientar, dar limites, ser firmes; muitos terceirizam a outros profissionais grande parte da sua responsabilidade!
Para educar faz-se necessário dúvidas – já que são elas que impulsionam a busca e a solução -, mas é fundamental muitas certezas porque dão os limites e a segurança no caminhar.
É necessário criar espaços dialógicos, um vínculo real com os filhos/alunos; conquistar um tempo, agendando uma hora semanal com eles, sem pressa, lembrando que esta proximidade é o maior investimento e o maior presente(é amor) que pode ser oferecido às suas almas; esse ambiente de encontro é, também, espaço de aprendizagem e ensinagem sobre o que é disciplina, ordem, afeto, generosidade, vida…, porque experimentam, com o exemplo , na convivência, conceitos que serão o patrimônio moral de cada um! Além disso, nesse espaço experimentarão a sensação de serem importantes , amados, porque olhados, acompanhados, orientados, corrigidos(sempre com uma explicação), com elementos de verdade(não de mentiras). Essa é uma reflexão e um convite.
A humanidade está em decadência, isto é um fato, e tem vivido uma lamentável desorientação refletida, principalmente, no comportamento dos adolescentes que entram no mundo às escuras já que sua razão, chamada agora a agir em pleno funcionamento, carece de elementos de juízo para discernir entre o certo e o errado, o bom e o mau. Os adolescentes ainda não tem a segurança do comportamento que corresponde adotar em cada uma das circunstâncias que se lhes apresentam e não têm defesas, por isso necessitam da enérgica doçura para ir ajudando a modelar o caráter, que é a fisionomia da alma. Neste trabalho, o educador precisa ser aliado e não adversário, principal colaborador e inspirador no desenvolvimento da vontade de saber e querer fazer bem e melhor.
Tenho ouvido e observado crianças e adolescentes em frequentes relatos dizendo que se sentem “bobos” ao passarem uma imagem de alunos responsáveis, disciplinados e estudiosos; outros que revelam seu incômodo pelo fato de perceberem que seu comportamento ético e adequado, difere da maioria dos jovens da sua idade. Em nenhum dos depoimentos percebo, por parte deles, um firme orgulho de serem bons, honestos, corretos, éticos. Semanas antes das últimas eleições, ouvi alguns afirmarem que venderam seu voto porque “todo mundo rouba mesmo e eu quero tirar vantagem também”, ‘[…]o meu pai vendeu o voto dele também”. A passividade e a aceitação da imoralidade e do erro alheio os tornaram insensíveis, sem esperança no futuro e no ser humano.
É evidente a atitude de dúvida, a vivência da contradição que experimentam entre o que existe e o que aprenderam, o que intuem como verdade e o que se apresenta como realidade. E eu me pergunto:
O que houve com os valores humanos? Será que mudaram em função da época, da nova dinâmica social? O que são valores?
Valores são bens humanos, são forças em extremo estimulante, porque ampliam o campo mental e dão solidez ao pensar e ao atuar; tudo na vida tem que ser feito com valor, já ensinava a Pedagogia Logosófica.
O valor é atemporal, eterno, imutável. O bom exemplo é um valor, a disciplina, a palavra empenhada e cumprida é um valor, conquistar um tempo para ficar com a família e ir nas reuniões da escola é um valor, educar pelo exemplo é exercitar um valor. É preciso uma “nova doçura”, “uma nova suavidade”, com a invenção de outra relação.
A falta de bons exemplos (valores) de hoje, tem comprometido o ser ( criança e adolescente) em formação. A cultura vigente parece estar fazendo com que os valores se transformem em contravalores. Essa cultura dos espertos em que estamos imersos aparece na fala de alguns jovens como se “ ser disciplinado, ser certinho, é coisa do passado, e serve para quê? Disciplina é a coisa da escola antiga com normas rígidas, agora ninguém quer mais isso…”.
Para mudar essa realidade faz-se mister oferecer o que cada um tem de melhor em termos de realização pessoal, de esforço, de estudo e prática na própria vida, usar a força da reflexão, a eloquência do exemplo e a energia das palavras .
A palavra é nosso o capital interno, expressa o verdadeiro conteúdo da vida, devendo ser o alto expoente da nossa dignidade. A palavra tem que construir, ter vida, deve estar acorde com nosso comportamento, ser meio para fazer chegar ao entendimento elementos que auxiliem na criação dos próprios juízos e conceitos e ser o retrato da enérgica doçura.