Para Fernanda, assinado: Vani
Oi, Fernanda (Torres, porque famoso tem nome e sobrenome)!
Menina, quanto tempo! Mais de dez anos desde que “Os Normais” saiu do ar e quando vou ver, você tá pagando de machista na internet, sua doida? Se eu não te conhecesse muito bem, diria que você tá variando mesmo. Primeiro, porque é muito fácil falar do sexismo nas piadas do Millôr e do Miéle, “irresistíveis até nos seus preconceitos”, que são ícones culturais, defendem uma boemia do macho sim, mas são mais que isso e têm um alcance cultural enorme, né, gata? Difícil é ser nostálgica e encontrar poesia na currada no metrô, é tomar porrada depois de responder “não” a uma cantada, é ter medo de descer no último ponto de ônibus sozinha à noite. Mas te entendo, esse é um universo extraterrestre pra você, por isso é tão simples reduzir o feminismo a um vitimismo por causa de um fiu-fiu.
Lembra daquele episódio em que eu e o Rui damos um tempo? (Cara, eu amo o Rui, juro, amo mesmo, mas tem horas que ele dá no meu saco, sabe? “Pata que parel”!). Pois então, Fernandinha, tem muita mulher presa em uma relação horrível, de abuso e de violência, e que não consegue dar um tempo, dar no pé, dar um fim, porque tem medo que o parceiro a mate ou faça mal aos filhos. Simples desse jeito. E você diz que a mulher tem o poder de se livrar das próprias amarras? Até concordo, mas não sou besta de romper amarra com um trabuco ou um punho cerrado apontando pra minha cara ou das minhas crianças. Você seria?
Enquanto te passo esse pito, Fernanda, cinco espancamentos rolam a cada dois minutos, um estupro a cada 11, e um feminicídio a cada 90. É coisa pra c**** (desculpa, gente, esqueci que não pode xingar no jornal). Nem precisa ir muito longe. Sem o feminismo, você, quando me interpretava, não ia nem poder falar na TV, na pele da Vani (digo, minha), que ia dar pra quem quiser (só pra irritar o Rui). Porque com o machismo, mulher não pode nem ter vontade de dar. E te digo mais: você só lamenta a ausência das cantadas de rua porque nunca vai correr o risco de o seu “galanteador” (cof! cof! cof!) estar à sua espreita numa esquina escura, não raramente com a mão dentro das calças. (Sério, menina, vida real é assim).
Tem pouco tempo que descobri que a música do programa, que eu amava, apesar de saber que me zoava (Você é doida demaaaaaaais!), foi escrita pelo Lindomar Castilho para sua ex-mulher, Eliane, que ele matou com um tiro no peito por ciúmes, após o fim de um casamento em que ela foi espancada, humilhada e proibida de trabalhar. Castilho ficou quatro anos preso, dois em regime semiaberto, saiu da prisão e retomou carreira. (Que só não deu em nada porque as músicas eram uma m***, ai desculpa, xinguei de novo). Eliane está morta. O feminismo luta contra isso, Fernanda. E se você não enxerga, vai me desculpar, minha filha, mas “você é doida demais”.
Beijos,
Vani