Quanto tempo?
Das coisas que mais me afligem, certamente o tempo e seu compasso louco ocupam um lugar de destaque. Porque ele passa depressa, sim. Parece que foi ontem que cheguei aqui a Juiz de Fora, com 18 aninhos, um número de inscrição da UFJF e uma ansiedade danada pelas possibilidades do futuro. Passou rápido demais. Ainda assim, quando penso em cada retrocesso que estamos vivendo, a cada manifestação reacionária e conservadora, que têm se proliferado como os coelhos se reproduzem, penso que nem um dia se passou desde os Anos de Chumbo, ou, possivelmente, desde a Idade Média. O tempo tem dessas coisas, obedece somente a uma regra: passar, mas não se responsabiliza pelo tanto de vida que nos consome neste seu devir. Nós que sejamos benevolentes: “dê tempo ao tempo”, “isso é só com o tempo”, “tudo tem seu tempo”. Que tempo?
Nos últimos dias, tenho conhecido uma faceta angustiante de Chronos. Como ecoou por toda a mídia, aprendemos que, no país da hoje desmascarada falácia do homem cordial, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. A cada 23 minutos, aqui onde não há racismo, “porque o brasileiro é gente boa”, um jovem negro é assassinado. A cada três minutos, neste lugar onde vigora o “não sou preconceituoso, mas…”, um homossexual é vítima de algum tipo de violência. Não é papo de “esquerdopata” e “mimimi” vitimista, são dados de pesquisas que mapeiam a violência aqui “nesta terra em que tudo dá”, principalmente porrada.
Em 11 minutos, eu tomo um banho rápido. Em 23, talvez dê para assistir um episódio curtinho de uma série da Netflix. Em 3 minutos, eu escolho um filtro para postar uma foto pretensiosa no Instagram. A noção que tenho do tempo, sendo branca, hétero, de classe média e cis, é bem diferente de quem passa a vida ameaçada pelo tique-taque, temendo ser o próximo número na estatística. Se bem que, sendo mulher, cada passagem de 11 minutos me assombra, porque a fila pode andar e minha vez chegar quando eu menos esperar, num dia de semana qualquer em que eu esteja fazendo meu trajeto habitual.
Qual é o significado real deste Delta -T (variação de tempo, que aprendemos nas aulas de Física que maldizíamos vez ou outra) que se passa entre a violência e a não violência? O que estas voltas no relógio estão nos dizendo? Mais importante, quantas atrocidades ficam fora desse passear dos ponteiros todos os dias? De quanto em quanto tempo uma criança é vítima de abandono paterno? Qual é o intervalo entre um assassinato e outro de pessoas trans? Quantos minutos se passam entre a negação de um emprego, o acesso a educação ou qualquer direito básico a uma pessoa negra e um caso semelhante? De quanto em quanto tempo você se importa com este tempo?
Daqui da minha vida privilegiada, e principalmente do meu papel de jornalista, eu posso expor estes números, dar voz a quem passa a vida temendo estas estatísticas, porque é diretamente ameaçado por elas. Dar voz, e jamais falar em seu lugar. Quanto a minhas convicções pessoais e meu anseio e direito de bradar contra as injustiças, decidi que, enquanto eu tiver gogó, vou por a boca no trombone contra tudo o que oprime, mata e violenta, a todo tempo. Acabei adotando uma lógica pueril, mas abusada dos tempos de menina, quando era fácil responder a quem tentava me silenciar. “Cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu.” Não nos calaremos mais.