‘Escrevo diante de algo que me espante’


Por Tribuna

03/09/2015 às 07h00- Atualizada 03/09/2015 às 09h03

Rogério Batalha cria um defunto-autor em

Rogério Batalha cria um defunto-autor em “Exercício de nuvens”

Rogério Batalha cria a partir do que o incomoda, de uma indagação, algo que o assombra. “Nesse último livro, tenho transitado por esses aspectos, vamos dizer assim, quase que metafísicos, religiosos. Os questionamentos são outros”, diz o poeta e letrista, que já esteve em Juiz de Fora lançando “Cidade fundida”, “Inventário” e “Medida do sal”. Na entrevista que segue abaixo e que será transmitida no “Sala de Leitura” de sábado, às 10h30, com reprise na segunda-feira, às 14h30, na Rádio CBN Juiz de Fora – AM 1010, o escritor fala de “Exercício de nuvens”, do processo de criação poética e do atual momento da poesia no Brasil.

[Relaciondas_post]Autor reconhecido na cena independente carioca e aprovado por nomes, como Antonio Cícero e Ricardo Oiticica, Batalha volta a publicar por meio de uma editora. Ainda que não altere substancialmente o número de livros que já vendia, o selo impõe novas condições a seu trabalho. A voz que assume “Exercício de nuvens” é a de um defunto-autor, assim como no famoso texto de Machado de Assis. No lugar de trazer “os exercícios do corpo, da matéria, da forma”, como fez em outras obras, agora Batalha opta por transitar pela subjetividade. Os efeitos rítmicos, característicos de sua escrita, mantêm-se.

Tribuna – Você buscou inspiração em Machado de Assis para criar um eu lírico defunto?

Rogério Batalha – Sou um leitor de Machado, mas eu acho que a tentativa é diferente. Assim como em “Cidade fundida”, em que o indivíduo, o eu lírico, perambulava pela cidade, tentando entender os elementos físicos da cidade, esse também perambula, mas ele perambula com assombro por questões não tão palpáveis, não tão físicas no sentido mais explícito. Esse defunto do eu lírico está repleto também de sofreguidão. É bom que se diga que não é um defunto com questionamentos religiosos.

– A promessa é de que seu livro seja um desafio constante ao leitor.

– Enquanto estou dialogando com a cidade ou com o defunto, estou numa tentativa, também, de dialogar com o leitor. O livro é sempre isso, porque, senão, não serve para nada. Serve só para mim, não tem funcionalidade. Por isso estou sempre tentando dialogar com o leitor até, às vezes, no aspecto rítmico, propondo ora leituras dinâmicas, ora leituras meditativas, e por aí vai.

– É um livro para ser lido de um fôlego só?

– Há duas possibilidades. O leitor pode optar por ler num fôlego só, mas acredito que, em algum momento, ele vai ter que parar. A tentativa é essa: propor uma meditação sobre esse indivíduo, esse morto-poeta. Mas também pode ser lido de um fôlego só.

– Seus escritos também nascem de um jato?

– Sempre vou escrever diante de alguma coisa que me espante, e aí começa como um jato, mas depois é fruto de lapidação. Para mim, é muito mais difícil lapidar do que escrever. Até letra de música é assim. Eu me dou primeiro como um leitor de música popular brasileira e só depois vou me tornar leitor de poesia propriamente dita. Isso acontece também na minha feitura. Escrevo minhas primeiras letras e depois vou escrevendo os poemas. Isso está dialogando o tempo todo, e talvez até a questão rítmica esteja conectada a isso.

– Está satisfeito com o momento da poesia?

– Poesia vende muito pouco no Brasil. Acredito que no resto do mundo também não venda muito. Não tenho muitos números, mas, por exemplo, posso te dizer que grandes poetas que conheci, que foram meus amigos, como Antonio Cícero e Wali Salomão, raramente, chegavam à segunda edição. O próprio Ferreira Gullar afirma, em muitas entrevistas, que, se ele fosse viver das suas publicações, não viveria em uma pequena favela do Rio de Janeiro, e olha que ele é um poeta consagradíssimo. É por isso que, talvez, tantos poetas em algumas gerações, como nos anos 70, migraram para a música. Porque era também um veículo de sobrevivência. O Wali vendeu um pouco mais depois de morto. Não sei se há uma lógica nessa questão do vivo e do morto.

LANÇAMENTO DE LIVROS

‘Tímpanos”, de Marcia Carneiro e Luiz Fernando Medeiros

“Exercício de nuvens”, de Rogério Batalha

3 de setembro, às 19h

Livraria Liberdade

(Rua Benjamin Constant 801 – Centro)

 

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