Zico volta a Juiz de Fora e encanta torcedores
A chuva fina e o frio em Juiz de Fora não foram capazes de conter a euforia dos 4.643 torcedores presentes ao Estádio Municipal Radialista Mario Helênio. A nostalgia alimentava a empolgação de quem esperava por mais um espetáculo de belas jogadas, como o visto em 2 de dezembro de 1989, quando Zico vestiu a camisa do Flamengo pela última vez em uma partida oficial. Dessa vez não foi diferente. Mesmo com o peso da idade, a experiência compensou a falta de fôlego e, dentro de campo, os craques justificaram os elogios. A Seleção Zico 10 goleou a Seleção de Juiz de Fora por 7 a 0. Um dos raros casos em que goleadores e goleados comemoraram o resultado. Antes da bola rolar, o clima era de festa. Novos e velhos torcedores se encontraram para relembrar a história contada há 25 anos. Sergio Quirino tinha 28 anos quando acompanhou o pai, Waldir Quirino, para a despedida de Zico, vibrando com a goleada do Flamengo sobre o Fluminense por 5 a 0. Ontem, no retorno do craque, Sergio refez os passos percorridos ao lado do pai, só que agora com os filhos Felipe (17) e Eduardo (14). “Infelizmente, meu pai já faleceu. Mas hoje tenho o prazer de trazer os meus filhos para ver o Zico jogar”, diz Sergio. Para o mais velho, Eduardo, a expectativa era a mesma que o pai viveu: ver um gol de falta do ídolo. “Um golaço de falta, com certeza, seria uma emoção muito grande.”
Parecia um sonho coletivo. Todos no estádio esperavam um gol de falta do Galinho de Quintino, revivendo o momento em que Zico venceu o goleiro tricolor Ricardo Pinto, em cobrança de falta magistral na meta ao lado dos vestiários. Até quem nunca viu o eterno camisa 10 da Gávea em campo conhece os feitos da lenda. Não por acaso, mais de 240 crianças que treinam no Centro de Futebol Zico (CFZ), em Juiz de Fora, aguardaram ansiosas pelo momento em que formaram um corredor para recepcionar os craques no gramado.
Quando a bola rolou, o aguardado gol de falta não saiu. Mas jogadas de efeito e belos gols não faltaram. O sérvio Petkovic, um dos mais festejados pelos torcedores, anotou dois. Além dele, Claudio Adão também fez dois, um deles em linda jogada, que começou com passe de Athirson e desvio de letra de Zico. Completaram a goleada, Beto, Bruno Coimbra e um do craque do jogo, Zico, que, aos 62 anos e a categoria de sempre, bateu com um toque de classe na saída do goleiro de Juiz de Fora, Zé Luiz.
Da metade do segundo tempo em diante, muitos torcedores se aglomeraram nas grades, buscando um registro com os craques que já haviam deixado o campo de jogo. O ex-lateral Athirson dedicou vários minutos aos torcedores. “Esse é o momento de relembrar grandes momentos com a camisa do Flamengo. Não tem dinheiro que pague o carinho e o reconhecimento do torcedor”, destaca Athirson, no dia em que ídolos e fãs tiveram a chance de se reverenciarem em uma grande celebração.
Entrevista/Zico
Durante 23 anos, Arthur Antunes Coimbra marcou a história do futebol. Zico conquistou o mundo com a bola nos pés. Com a camisa 10 do Flamengo, ganhou sete títulos cariocas, foi tetracampeão brasileiro e chegou ao topo comandando o elenco rubro-negro nas conquistas da Copa Libertadores da América e do Mundial de Clubes. Antes de participar de uma despedida festiva no Maracanã, o Galinho de Quintino entrou em campo pela última vez em uma partida oficial com a camisa do Flamengo no Estádio Municipal Radialista Mário Helênio. A partir do dia 2 de dezembro 1989, Juiz de Fora ficou marcada na memória do craque.
Pouco mais de 25 anos depois, Zico voltou à cidade nesse fim de semana para relembrar a emoção da despedida. Antes de entrar em campo, o eterno camisa 10 da Gávea conversou com a Tribuna e revelou viver a ansiedade para celebrar esse momento “da melhor maneira possível”. A relação de Zico com Juiz de Fora e as recordações da página derradeira do craque com a camisa do Flamengo vieram à tona nessa entrevista exclusiva.
Tribuna- Qual é a recordação que permanece mais forte na sua memória daquele 2 de dezembro de 1989?
Zico – O que mais me marcou, sem dúvida, era saber que era o meu último jogo como profissional com a camisa do Flamengo. Já tinha tomado a decisão, e depois de uma carreira de 20 anos jogando no clube, você sabe que aquela é a última. Realmente eu tive que ter um controle emocional muito grande. Era um jogo de Campeonato Brasileiro, um jogo oficial, a gente tinha que estar concentrado naquilo. Tudo correu bem. Foi um momento maravilhoso. Tanto por parte da torcida quanto por parte do time dentro de campo. A gente venceu bem o jogo, eu fiz o gol e terminamos bem a temporada. Acho que foi legal por todos os aspectos.
– Depois de tantas conquistas, foi difícil controlar a emoção por se despedir do torcedor em uma partida oficial?
– Eu não estava encarando como despedida. Eu estava com tudo programado para fazer uma despedida no Maracanã depois. Então aquilo não me atrapalhava e não me aborrecia em nada. O Flamengo é Flamengo em todo o Brasil. Qualquer outra cidade em que eu fizesse o último jogo, não tenho dúvida que o Flamengo, na maioria delas, tem uma predominância de público, como é em Juiz de Fora. Então eu fiquei muito feliz. A casa estava cheia, a torcida toda lá presente, e a gente pôde fazer uma grande exibição. Não tenho dúvida que aquilo ficou marcado para todo mundo.
– Aquele jogo foi com vitória, gol de falta e assistência. Um clássico com a cara do Zico?
– Deus me abençoou por isso. Eu sempre gostei de fazer gols de falta, e a torcida também. Ficou uma marca na minha carreira. Eu pude fazer uma grande jogada, dando um lindo drible no Donizete. Ele fez a falta, e eu bati muito bem, não dando nenhuma chance para o Ricardo Pinto e fazendo o primeiro gol. Depois pude jogar com mais tranquilidade ainda, com mais motivação. Dei o passe para o segundo gol, do Renato (Gaúcho), e saí. Tenho comigo a bola do jogo, que o Viug (Aloisio Viug, árbitro da partida) me deu de presente, e a minha camisa eu fiz questão de presentear para o George Helal, que foi quem me apadrinhou no Flamengo quando eu cheguei no início da carreira. Foram momentos realmente maravilhosos. Sou muito grato a Juiz de Fora e à administração do estádio por terem nomeado o vestiário com o meu nome. Uma recordação muito bacana. Muito bom recordar tudo isso.
– Quando foi substituído, a torcida permaneceu gritando o seu nome durante todo o tempo em que você estava sendo entrevistado, mesmo com a bola rolando. O que passou pela cabeça nesse momento?
– Isso é gratificante. Sinal que o trabalho foi bem feito, e esse reconhecimento por parte da torcida cada vez mais me deixa feliz, como me deixa até hoje. Sempre fui um cara que vesti a camisa do Flamengo como torcedor, com o coração, com muita dedicação. Procurei sempre dar o meu máximo para que as coisas acontecessem da melhor maneira possível. Então é um momento de gratificação por todos aqueles que estavam naquele dia me aplaudindo, gritando o meu nome.
– Mesmo em uma época em que os ídolos se formam e somem muito rapidamente, você segue sendo lembrado e idolatrado pelos torcedores. Sabe dizer o motivo?
– Eu acho que isso tudo é em função de uma carreira, de uma história de vida bem vivida, de dedicação ao futebol, que foi o que eu escolhi fazer. Acho que as pessoas entendem bem e dão essa resposta. Eu fico feliz por isso, ter contribuído bem, ter sempre o respeito dos torcedores, seja do Flamengo ou dos adversários. Estou sempre vivendo o futebol hoje em dia. Não saí do futebol. Continuo como técnico. As imagens estão sempre sendo passadas, e aí as novas gerações passam a conhecer. Tive a felicidade de viver esse momento em que os vídeos aparecem com mais frequência. Então quando você chega e fala para uma criança ou um jovem que o Zico fez isso ou aquilo, ele vai lá e comprova pela internet. Então eu acho também que essa facilidade me ajuda bastante, ainda mais sendo ídolo de uma torcida como a do Flamengo.
– Em 1989, o nosso fotógrafo Antônio Olavo Cerezo, falecido em 2011, registrou o momento da comemoração do seu gol. Ele teve a oportunidade, anos depois, de lhe entregar essa foto de presente. Ainda tem guardada?
– Tenho! Essa fotografia está guardada em um quadro lá no meu centro de futebol, no último andar, onde eu tenho alguns troféus, e a gente, quando joga nossas peladas lá na quarta-feira, depois vai lá pra cima, onde tem um bar temático com alguns troféus, fotos e um painel com autógrafos de muitas celebridades que passaram por lá, e uma dessas fotografias é aquela que ele me deu, comigo comemorando o gol.
– Em 1989 e 2015, você marcou Juiz de Fora. A cidade também está marcada na sua memória?
– Sem dúvida está marcada! Acho que por diversas razões. Essa é uma delas. Outra é que me lembro de um grupo de rubro-negros que espalhou pela cidade diversas fotos minhas em pontos estratégicos, e eu tive a oportunidade de conhecer esse pessoal no Rio de Janeiro. E também pela quantidade de rubro-negros que tem na cidade, mesmo sendo outro estado. Então é lógico que é gratificante poder voltar com diversos companheiros, caras que deram muitas glórias ao futebol, não só ao Flamengo, mas também ao futebol brasileiro.