Fordismo, rendas e fendas
Uns meses atrás fui madrinha de casamento. Lembro-me de que, logo que fui convidada para o cargo, imediatamente me ouricei e pensei, cedendo a um impulso consumista: “aaaaaaaaaah, quanto tempo que eu não compro um vestido de festa!”, e saí à procura de um modelito novo. Qual não foi minha surpresa ao perceber que o comércio juiz-forano era uma variação do monotema renda e/ou recorte no meio dos peitos, normalmente preenchido com uma telinha. Fiquei encafifada. Por fim, já entrava nas lojas perguntando. “Tem vestido longo sem renda e sem essa fenda no meio do busto?” “Hummmmmmm, vou ficar te devendo. Mas olha, é esse modelinho que tá na moda”, respondiam-me. Nada contra renda ou contra a fenda, ou ambos juntos, o problema é a falta de qualquer alternativa que não seja o padrão “modelinho que tá na moda.”
No inicinho do século XX, Henry Ford, um dos maiores malandrões da história da economia mundial, não se contentou em lançar a produção em série, fabricando automóveis padronizadíssimos, mas também teve que alfinetar, cunhando a frase “O cliente pode ter o carro da cor que quiser, contanto que seja preto”- única cor disponível na produção do Henry fanfarrão, por ser mais barata e secar mais rápido. Fiquei pensando no quanto esse quase cartel de vestidos rendados e/ou “fendados” remete ao fordismo de ideias que vemos por aí, nas bocas e teclas de conhecidos e desconhecidos, com mais frequência do que gostaríamos.
E é nessa esteira de produção que aparecem aqueles papos chatíssimos, arrogantes e padronizados, de gente que solta discursos de efeito repetindo ideias do “modelinho que está na moda” e não consegue argumentar a respeito delas. Como um papagaio, que só reproduz falas, mas infelizmente, não falo aqui de “Louro quer biscoito”. É um desfile de “O Brasil não vai pra frente”, “Como vou explicar um beijo gay a meus filhos?”, “Gorda não pode usar biquini”, “Menino não usa cor de rosa”, “Vai pro SUS”, e tantos bordões a la “miojo”, sempre prontos em 3 minutinhos no máximo, e sem qualquer riqueza em sua fruição.
Em tempos em que tudo é pessoal: personal trainer, personal computer (que já está até out), e todos os escambais que valorizam a individualidade, me espanta muito que as ideias, justamente elas, sejam massificadas com tanta facilidade, e sem qualquer intenção de uma discussão real. O importante é não perder o bonde das discussões do momento e, como se não bastasse, metralhar qualquer um que tenha um posicionamento dissonante. “Você pode ter a opinião que quiser, contanto que seja igual à minha.” Henry Ford morreria de rir, satisfeito. Eu, uns pares de décadas depois, morro de tédio, preguiça e vergonha alheia.
Não acho que diferente é necessariamente melhor. Mas quando se trata de vestidos e ideias, acho que devemos ser apresentados à maior diversidade possível, para que não acabemos mal-vestidos ou mal-expressados. Quanto ao meu traje para o casamento, rodei a cidade toda, e bem que tentei, mas não consegui me render aos longos baseados na tabelinha renda e fenda. Acabei indo com um vestido com o qual já havia sido madrinha uns sete anos atrás. Não sei se levei olhares tortos de quem preferiu acreditar no fordismo fashion, mas lembro-me de ter visto meu reflexo no espelho com uma certeza: “Arrasei”. (Quase) sempre a confiança no próprio taco vale muito mais do que qualquer “modelinho que tá na moda”. Nos pensamentos e no vestuário.