1994, para sempre (3)
“O episódio de hoje da nossa série sobre 1994, assim como os anteriores, vai transformar a arte e a cultura em Juiz de Fora”
Era uma salinha pequena e abafada, num prédio antigo, na esquina da Floriano Peixoto com a Rio Branco. Uma sala alugada pela Prefeitura, de cuja existência pouca gente tinha notícia e muito menos sabia que era muito poderosa: ali funcionava o gabinete da Secretária de Fazenda da Prefeitura de Juiz de Fora, a guardiã e gestora do tesouro municipal. O episódio de hoje da nossa série sobre 1994 vai acontecer ali. E, assim como os anteriores, vai transformar a arte e a cultura em Juiz de Fora.
Foi bem nesse mesmo ano da conquista do Central como um bem público e da chegada do acervo de artes visuais do poeta Murilo Mendes para constituir o que hoje é o MAMM, que seria urdida a mais importante ferramenta de incentivo à cultura da história do município: a Lei que foi batizada com o nome do grande escritor juiz-forano. O projeto fora apresentado por um vereador, nosso companheiro e amante das artes. Inspirado em legislações recentes, como as chamadas Lei Sarney (1986), federal, e Lei Mendonça (1991), da cidade de São Paulo, Vanderlei Tomaz propunha a Lei Murilo Mendes, que viria a ser a primeira do gênero numa cidade do interior do país.
Em torno da mesa daquela salinha acanhada, todos éramos entusiastas da ideia, avalizados pelo prefeito Custódio Mattos. Mas a questão que nos afligia era: como fazer a lei funcionar? Ou “sair do papel”, como gostam de dizer os céticos. A proposta inicial, baseada na lei paulistana, funcionava no modelo conhecido como “renúncia fiscal”: o artista aprova seu projeto e, para amealhar a verba para seu espetáculo, seu disco, seu livro, sai a bater de porta em porta em busca de empresas que topem patrocinar. Adiante, o empresário abate de seu pagamento de impostos o valor equivalente ao patrocínio. Os tributos ao alcance de uma legislação municipal eram apenas o ISS (Sobre Serviços) e o conhecido IPTU.
Será que daria certo? Parecia um tanto complicado. Eu estava lá, naquela tarde, em nome da Funalfa, ao lado do colega Manoel Barbosa Leite Neto e do vereador Vanderlei, quando a secretária da Fazenda, Maria Helena Leal Castro, tirou o seu coelho da cartola. Ela trouxe a solução que, sem dúvida, foi a que transformou a Lei Murilo Mendes em um sucesso de 30 anos, evitando o périplo de pires na mão dos produtores culturais e povoando a cidade de eventos, espetáculos, artefatos, produtos culturais.
– Se a Prefeitura vai abrir mão de seu dinheiro de receitas com impostos, por que não colocar direto estes recursos num Fundo do Orçamento Municipal? O artista aprova seu projeto, recebe o dinheiro e depois presta contas.
Um raio de sol entrou por uma fresta da janela da sala da Floriano. Se é para simplificar, para quê complicar?, ensinava a secretária, também professora de economia. O “intermediário” foi eliminado, o Fundo Municipal de Incentivo à Cultura foi criado, a Lei foi aprovada pela Câmara desta forma e sancionada no dia 27 de agosto de 1994.
(……)
27 de agosto de 1994? Será que você acredita que, na noite deste exato dia, andando pela Rio Branco por alguns quarteirões na direção norte, você entraria num casarão da UFJF (da antiga Fafile) que estava abrindo as portas para exibir uma coleção de arte moderna, recém chegada de Portugal, no que seria o maior e mais importante ingresso internacional de artes visuais no Brasil durante a segunda metade do século XX? Maria da Saudade Cortesão Mendes, viúva do poeta agora nome de lei, recebia os convidados boquiabertos diante de Miró, Picasso, Vieira da Silva, Max Ernst, Léger, Braque e mais de uma centena de artistas geniais, em sua nova e definitiva casa: Juiz de Fora.
A cidade do Cine-Theatro Central. Da Lei Murilo Mendes. Do Museu de Arte Murilo Mendes.
Tudo isso em 1994. E para sempre.
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