Retrospectiva 2024: as histórias que não morrem no Cemitério Municipal de Juiz de Fora
Há menos de um mês, Tribuna publicou uma série com três reportagens sobre o Cemitério Municipal da cidade e suas histórias
No início de novembro, a Tribuna realizou uma visita guiada pelo Cemitério Municipal de Juiz de Fora. O local, que a princípio poderia simbolizar uma atmosfera nebulosa, nos foi apresentado com naturalidade e sensibilidade com a morte, transmitidas pela oralidade do coveiro Edil Spada, 57 anos. Assim, a entrevista – que se deu como um passeio – resultou na série de três matérias: a primeira sobre a perpetuidade da memória, a segunda sobre a identidade e a interferência da classe social nos sepultamentos e, a última, sobre a segurança pública dentro de um espaço que marcaria o fim das mazelas vividas na terra.
A publicação inicial, “Cemitério Municipal 160 anos: Tribuna faz visita guiada pelo local”, tinha como foco inicial o aniversário do local – que coincidentemente é comemorado no Dia dos finados, em 2 de novembro. Contudo, ao longo do trajeto, a apuração tomou outro rumo, com a condução de Spada. As memórias do coveiro se fundiam com as construções dos próprios túmulos – abertos e fechados por suas próprias mãos. Ele é testemunha da passagem do tempo em um lugar que ele parecia quase imóvel, na maioria das vezes, perpétuo.
Edil foi o fio condutor entre as transformações sociais e culturais do local. Os relatos do homem que vive de perto o cemitério se conecta com os estudos de pesquisadores que investigavam o assunto. Entre o arquivo oral e o escrito. “A morte é o que a gente tá acostumado, mas quando é a família, a gente fica triste. Porém, quando a pessoa está aqui, é porque já não tem mais jeito”, disse Edil enquanto respondia “Como você lida com a morte?” – uma pergunta que inevitavelmente foi ser feita.
A naturalidade e profundidade da fala repercutiram em uma compreensão da morte que foge das estruturas que a tornaram tabu. Em um local com túmulos tão diversos, também pudemos observar as desigualdades sociais que persistem mesmo após a morte, durante a apuração da reportagem. Como as covas rasas das pessoas que morrem sem identidade. Essa observação, culminou em outra reportagem da série, mostrando que somente este ano, até aquele momento, 273 pessoas foram enterradas sem nomes.
As pessoas que morrem sem identidade, em vida, foram marcadas pela ausência de cidadania. A falta de saúde, educação e acesso a políticas públicas de renda, tornam a desigualdade existente na morte. Os túmulos não possuem nome, mas número. As ossadas, depois de um tempo, já não podem ser localizadas. É uma morte também da memória. O doutor em História e professor de Patrimônio Cultural e História das Artes, Leandro Graziosi, contou que os “ignorados”, como são chamados, sempre estiveram presentes na história de Juiz de Fora – apesar de todo o aceno ao progresso que a cidade se propõe.
Por fim, a última matéria buscou olhar para a arte tumular atravessada pela segurança pública. Entre figuras sacras e modernas, estilos como a art déco, o romantismo, o ecletismo e o modernismo povoam cada vez menos os cemitérios. As mudanças nos túmulos, agora mais econômicos e menos exuberantes, sem estátuas religiosas feitas de mármore, se deu por um aspecto além da mudança da tendência estéticas. Os furtos nos cemitérios fizeram o bronze ser substituído por lata.
No que tange à arte tumular, há transformações também nas profissões que trabalham com isso, como o artesanato em marmoraria. “Hoje em dia tem muita firma que faz a gravação na pedra com a máquina, eu faço trabalho artesanal feito à mão, mas daqui a pouco isso vai acabar. Com a tecnologia, a escritura sai perfeita. Ela ajuda, mas o trabalho de artesão nesse sentido vai acabar”, observou, à época, Antônio Jacob, proprietário da Marmoraria Santo Antônio.
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