Caminhar 30 minutos regularmente previne recorrĂȘncia da dor lombar
AtĂ© 2050, o nĂșmero mundial de pessoas com lombalgia deve chegar a 843 milhĂ”es, segundo a OMS
A dor lombar crĂŽnica Ă© a queixa mais comum nos consultĂłrios de ortopedia: estima-se que oito em cada dez pessoas terĂŁo no mĂnimo um episĂłdio pelo menos uma vez na vida. Diante de uma escassez de tratamentos eficazes e da dependĂȘncia contĂnua de acompanhamento e cuidados de saĂșde, a busca por intervençÔes preventivas Ă© crescente. Agora, um novo estudo publicado na revista cientĂfica The Lancet aponta que caminhar regularmente 30 minutos por dia, cinco vezes na semana, Ă© uma boa forma de evitar o problema.
Intitulada Walk Back (caminhar de volta, em tradução livre), a pesquisa foi realizada por cientistas das universidades Macquarie e de Sydney, ambas na AustrĂĄlia. Para chegar aos resultados, os pesquisadores avaliaram 701 adultos (idade mĂ©dia de 54 anos) que haviam se recuperado recentemente de um episĂłdio de dor lombar baixa â a mais comum que existe, aquela dor na parte de baixo da coluna, entre a Ășltima costela e a regiĂŁo glĂștea. Eles relataram muitos episĂłdios anteriores de dor nas costas (de 30 a 36 por participante), sugerindo que tinham dor lombar crĂŽnica, definida como aquela que persiste ou recorre por mais de trĂȘs meses.
Os participantes foram divididos em dois grupos: um que recebeu orientaçÔes de um fisioterapeuta durante seis meses, para estabelecer um programa individualizado e progressivo de caminhada, que fosse adequado Ă s necessidades e preferĂȘncias de cada um. O outro grupo era controle, ou seja, nĂŁo recebeu orientaçÔes profissionais nem tratamento preventivo â o que reflete a maioria dos casos de pessoas com dor lombar.
Entre os participantes com orientação, foram feitas seis sessĂ”es com um fisioterapeuta, que monitorava o progresso e ajudava na solução de possĂveis barreiras com o programa de caminhada. O objetivo era auxiliar as pessoas para uma melhor compreensĂŁo da dor e reduzir o medo associado Ă prĂĄtica de exercĂcios fĂsicos. Por isso, a ideia dos pesquisadores era que o programa fosse gerenciĂĄvel: a meta era caminhar 30 minutos por dia, pelo menos cinco vezes na semana, durante seis meses.
Os participantes foram monitorados mensalmente, por atĂ© trĂȘs anos, a depender da data que ingressaram na pesquisa, e foram estimulados a continuar a caminhada mesmo apĂłs o tĂ©rmino do programa. Nesse perĂodo, os pesquisadores coletaram informaçÔes sobre novas recorrĂȘncias de dor lombar, incluindo casos de afastamento do trabalho e uso dos serviços de saĂșde.
Ao final da anĂĄlise, os resultados mostraram que o grupo que aderiu ao programa de caminhada demorou, em mĂ©dia, 208 dias para ter uma nova recorrĂȘncia da dor. Por outro lado, os voluntĂĄrios do grupo controle tiveram um novo episĂłdio de dor em uma mĂ©dia de 112 dias depois â praticamente metade do tempo.
Diferentes tipos de dor lombar
A lombalgia Ă© uma questĂŁo de saĂșde pĂșblica: em 2020, o problema afetava 619 milhĂ”es de pessoas (o equivalente a 10% da população mundial) e, atĂ© 2050, esse nĂșmero deve chegar a 843 milhĂ”es de indivĂduos, segundo a Organização Mundial da SaĂșde (OMS). De acordo com os autores do estudo australiano, a maioria das pesquisas se concentra no tratamento de episĂłdios de dor, nĂŁo na prevenção de futuras dores â e a caminhada demonstrou ser uma intervenção preventiva acessĂvel e de baixo custo.
Existem diferentes tipos de dores na regiĂŁo lombar, mas elas sĂŁo divididas basicamente em trĂȘs: a mais comum Ă© a lombalgia mecĂąnica, que engloba a maioria das condiçÔes de coluna e estĂĄ normalmente associada a problemas de postura; existe tambĂ©m a lombociatalgia, que Ă© a dor lombar que irradia para os membros inferiores devido Ă compressĂŁo de uma raiz dos nervos e costuma estar relacionada Ă s hĂ©rnias de disco; por fim, a estenose do canal lombar, caracterizada pelo envelhecimento da regiĂŁo baixa da coluna, pode alterar o canal lombar causando um estreitamento da regiĂŁo por onde passam as raĂzes nervosas. Essa Ășltima costuma atingir mais os idosos e gera dificuldade para caminhar.
De acordo com o ortopedista Mario Lenza, gerente-mĂ©dico de Ortopedia do Hospital Israelita Albert Einstein, quando a dor lombar nĂŁo estĂĄ acompanhada de sintomas neurolĂłgicos, o tratamento costuma ser conservador e da forma como os autores do estudo programaram: mudança de estilo de vida e prĂĄtica de exercĂcios fĂsicos, de preferĂȘncia com o acompanhamento de um fisioterapeuta ou educador fĂsico. âOs resultados deste estudo confirmam, de maneira cientĂfica, os conselhos dos nossos avĂłs: caminhar faz bem. Eles conseguiram provar aquilo que os mĂ©dicos sempre recomendaram, que a caminhada efetivamente melhora os episĂłdios de lombalgia crĂŽnicaâ, analisa Lenza.
Mas, apesar de a caminhada ser um exercĂcio teoricamente simples e fĂĄcil de ser adotado, existem cenĂĄrios que precisam ser levados em consideração, especialmente para aqueles pacientes com dor crĂŽnica que sĂŁo sedentĂĄrios. Nesses casos, incluir uma atividade fĂsica no dia a dia pode nĂŁo ser indicado imediatamente e, mais que isso, trazer outros episĂłdios de dor.
âA caminhada Ă© o inĂcio dessa transição do sedentarismo para a atividade fĂsica e ela pode, sim, gerar dores nos joelhos, nos tornozelos, nos pĂ©s. Mesmo uma simples caminhada precisa ter uma orientação mais de perto, assim como aconteceu no estudo. NĂŁo Ă© apenas falar para o paciente começar a andar na ruaâ, pondera Lenza. Sem acompanhamento adequado, aliĂĄs, hĂĄ o risco atĂ© de se machucar. âQuem nunca caminhou precisa de orientação sobre como aquecer, como andar, qual o calçado adequado, entre outras coisas.â
Ă por isso que o ortopedista ressalta a importĂąncia de uma supervisĂŁo profissional mĂ©dica, fisioterĂĄpica ou de um educador fĂsico nessa transição do sedentarismo para o inĂcio da atividade fĂsica. âĂ preciso ter um olhar mais de perto para esse paciente com dor lombar crĂŽnica. Para muitos, Ă© difĂcil incluir a atividade fĂsica na rotina. Quando ele ultrapassa essa primeira barreira e decide se exercitar, esse inĂcio pode causar dores. Isso pode ser um fator desestimulante e fazĂȘ-lo desistirâ, alerta o ortopedista.
Cada caso Ă© um caso
A caminhada Ă© a solução para todo caso de dor lombar? Nem sempre. De acordo com Lenza, existem casos de lombalgia mais especĂficos, que podem depender de tratamento cirĂșrgico. Os mais urgentes, com sintomas neurolĂłgicos, sĂŁo chamados de sĂndrome da cauda equina, caracterizada por dor lombar acompanhada de perda de força progressiva, alteraçÔes esfincterianas e dormĂȘncia. Esses precisam ser operados para descompressĂŁo dos nervos em atĂ© 48 horas para uma boa recuperação.
Existem ainda os quadros de hĂ©rnia de disco, mais comuns, caracterizados pela perda de força progressiva â eles podem causar um dĂ©ficit de motricidade dos membros inferiores. Em alguns casos, Ă© preciso cirurgia para corrigir; em outros, a adoção de novos hĂĄbitos pode funcionar. âExiste uma tendĂȘncia de tentar resolver rapidamente um problema de coluna com cirurgia. Talvez, essas dores possam ser resolvidas com uma boa orientação de caminhada, fisioterapia e com a adesĂŁo do paciente. Quem sabe seja preciso insistir um pouco mais nesse programa de tratamento e de mudanças de estilo de vida, que Ă© fundamental e relativamente simplesâ, finaliza o especialista.