Antes que o sol vermelho se torne nosso único retrato

"A beleza capturada nessas imagens de um sol vermelho contrasta dolorosamente com a realidade catastrófica por trás. É um sinal claro da destruição ambiental que avançamos a passos largos”. Leia na coluna do jornalista Marcos Araújo, deste domingo

Por Marcos Araújo

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(Foto criada por AI)

Ao rolar o feed do Instagram, é quase impossível não se deparar com imagens de um sol avermelhado. São fotografias tiradas por pessoas de diferentes partes do Brasil, capturando um fenômeno que, à primeira vista, parece apenas um espetáculo da natureza. Não fosse a gravidade do que essas imagens realmente significam, poderíamos nos deixar levar pela beleza. De fato, essas fotos são belas. Algumas até se confundem com as visões da lua avermelhada, tão comum quando nosso satélite natural aparece mais baixo no céu ao cair da noite.

Mas a verdade é outra. A cor avermelhada que hoje chama nossa atenção é consequência da presença de partículas e gases que vêm da fumaça das queimadas, que devastam regiões como o Pantanal e a Amazônia. Especialistas apontam que, na prática, essa coloração do sol é um indicativo de quão poluída está a atmosfera. Quanto mais poluído o ar, mais vermelho o sol se torna. E quanto mais perto do horizonte ele está, mais intenso é o tom, reflexo da luz em meio às partículas de poluição.

Outros fatores, como as condições meteorológicas, a falta de chuvas e o transporte da poluição de uma região para outra, também contribuem para essa mudança de cor. Contudo, o perigo maior desse momento de incêndios massivos é enxergá-los como algo eventual, ocasional, que não tende a se repetir. Mas a realidade é dura: os efeitos do aquecimento global já estão entre nós. Há, ainda, os episódios criminosos, que esperamos as apurações e as devidas punições.

Mas, enquanto isso, o que vemos? Um silêncio ensurdecedor das autoridades. As campanhas eleitorais deste ano passam ao largo de uma oportunidade urgente e necessária: debater um tema que não só está presente, mas também é negado. Não tanto pelos adeptos da Terra plana, mas pela indiferença cotidiana, que talvez seja ainda mais corrosiva.

Perdemos diariamente. Perdemos as matas da Amazônia, os bichos do Pantanal, a vegetação do Cerrado, e mantemos, a duras penas, o que restou da Mata Atlântica. É uma narrativa de autodestruição, que insistimos em contar. Parece uma montanha impossível de escalar o fortalecimento de uma cultura preventiva no Brasil. Mas os números são esmagadores. Até lá do espaço, a mais de 1,5 milhão de quilômetros da Terra, já tem satélite que consegue captar a visão da coluna de fumaça acumulada sobre nosso país.

Manchetes nos jornais apontam que as queimadas em São Paulo, as perdas na Amazônia e no Pantanal e os danos das enchentes no Rio Grande do Sul somam prejuízos que ultrapassam bilhões em dinheiro. O mesmo valor poderia, com planejamento, atenuar prejuízos de eventos extremos por alguns anos.

A beleza capturada nessas imagens de um sol vermelho contrasta dolorosamente com a realidade catastrófica por trás. É um sinal claro da destruição ambiental que avançamos a passos largos. O perigo da indiferença cotidiana e a falta de discussões amplas no cenário político contribuem para a continuidade dessa tragédia silenciosa. Sem uma cultura de prevenção, estamos fadados a enfrentar perdas ainda maiores.

As queimadas já não são mais eventos isolados e sazonais, mas parte de um ciclo intensificado por mudanças climáticas e políticas ambientais frágeis. O alerta está dado: a ação precisa ser agora, antes que o sol vermelho se torne nosso único retrato.

Gracielle Nocelli

Gracielle Nocelli

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