Fim do ‘X’/’Twitter’: como ficam os ‘cronicamente on-line’?
Juiz-foranos relatam como era o uso do ‘X’; e especialista analisa o contexto que levou à decisão do STF
Quando o feed do ‘X’/’Twitter’ parou de funcionar no Brasil, na madrugada do último sábado (31), muitos usuários viram uma de suas plataformas preferidas ter um fim. A rede social funcionava no país desde 2008 e se destacava por ainda privilegiar os conteúdos em texto.
Durante todos esses anos, pessoas usaram suas contas para acompanharem ídolos, páginas de jornais e representantes políticos, nacionais e internacionais. A plataforma também servia como uma espécie de diário digital, permitindo a emissão de comentários e a interação entre os usuários que, muitas vezes, passavam várias horas por dia postando, sendo autodenominados como “cronicamente on-line”. O apego com a rede faz com que parte dessas pessoas ainda a procurem em suas telas e tentem acessá-la, mesmo com o fim do aplicativo.
O imbróglio envolvendo Elon Musk, atual dono do ‘X’, e o Supremo Tribunal Brasileiro (STF) chegou a um momento drástico, que atingiu diretamente os usuários e fez com que a visão sobre o uso responsável de redes sociais fosse tema de debate no país.
O antigo Twitter chegou a ter mais de 22 milhões de usuários no país. Entre eles, estava a juiz-forana Ruth Flores, 29 anos. Jornalista e empreendedora, ela tinha sua conta há 15 anos. O que a atraía na rede, considerada a sua preferida, era a possibilidade de se comunicar com rapidez e de qualquer lugar, se inserindo também em nichos diferentes, de acordo com os gostos pessoais. “Eu usava com dois focos: informação e construção de comunidade. Era lá que eu me informava sobre o que estava acontecendo no Brasil e no mundo'”, conta.
Ruth conta que acessava a rede social várias vezes por dia. Além de interagir com outros usuários, foi através do ‘X’ que ela acompanhou grandes eventos, como Oscar e Olimpíadas. “Esses momentos ficavam mais divertidos com os comentários postados na plataforma.”
Para a publicitária Denylu Costa, de 38 anos, outra vantagem do ‘X’ era a possibilidade de socialização. “O que eu mais gostava, principalmente no Twitter de antigamente, era que ele permitia interações imediatas, debater um pouco mais”, diz. No entanto, com as mudanças na plataforma que começaram a acontecer em 2023, isso mudou.
O estudante Rafael Carnot, de 24 anos, concorda. Para ele, foi ficando cada vez mais evidente a presença de muitos ‘bots’ que atrapalhavam as interações. Apesar disso, as vantagens prevaleciam. “O Twitter tinha um tipo de humor, de piada, de vídeo e de meme muito nichado. Por isso eu gostava tanto. (…) Vai fazer falta no meu dia a dia”, diz.
Na análise da professora da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Kérley Winques, a junção dessas características fazia com que os usuários fossem tão fiéis.”Considero que o Twitter sempre foi uma rede bastante democrática no sentido de ter diversos atores ali: o jornalismo, através do qual a intensidade de acontecimentos e informações sempre circulou bastante rápido nas redes; a cultura de fãs, vinda de pessoas que criavam perfis e exaltavam as pessoas que acompanhavam; e, ainda, aqueles que estavam ali para performar um outro ‘eu’ que não aquele da vida pública off-line”, explica.
Para ela, já foi o tempo em que a rede permitia uma pluralidade de debates e discussões, inclusive políticas. E é bastante normal que os usuários, nesse contexto, sintam falta do que a plataforma representava em suas vidas. “As pessoas vivem o seu dia a dia e, por vezes, podem usar as plataformas de mídias sociais para performar um eu que não pode ser o do cotidiano. É uma extensão de uma personalidade, e uma manifestação do que as pessoas por vezes gostariam de ser”, diz.
Discurso desinformativo e de ódio no ‘X’
Para além da vontade dos usuários em compartilharem conteúdos em texto e de se conectarem, o “X” desempenhava um papel político no país, que teve grande colaboração para que o desenrolar da plataforma fosse este.
Como explica Kerley, essa questão ganhou foco durante o 8 de janeiro de 2022, quando o Congresso Nacional foi atacado e se constatou que a rede social foi usada como um dos focos de desinformação sobre o acontecimento. “A relação começou a ficar fragilizada quando o Elon Musk adquiriu a plataforma. A partir dessa aquisição, teve uma intensificação do discurso de desinformação, dos ataques de ódio, das mensagens racistas/transfóbicas. Tivemos uma ampliação desses discursos e, por consequência, diversos países, não só o Brasil, passaram a olhar a plataforma com outros olhos.” Além desse acontecimento, as ameaças às escolas que aconteceram em 2023 também chamaram a atenção para a situação.
Foram muitos passos para que a plataforma fosse realmente proibida. “Ao longo de 2023 todo, tivemos muitos problemas em relação à verificação de informações e o quanto esses processos não estavam sendo respondidos pela empresa X, em relação ao que o STF esperava sobre a moderação de conteúdo desinformativo”, explica. Foi durante esse período que o novo dono também passou a aplicar sua visão particular para a rede, mudando o nome de Twitter para X. As demandas brasileiras ficaram sem respostas, e a empresa encerrou as operações no Brasil, retirando seus representantes legais de Brasília. Tudo isso fez com que a situação atingisse um ponto crítico. “Nós temos uma empresa internacional que não está respeitando a soberania do Brasil em relação às políticas que a gente tem, para que empresas operem em território nacional. Não tem como a gente não tomar decisões para cobrar em relação a essas questões”, afirma Kerley.
Busca por outras plataformas
Com o fim do aplicativo, as pessoas têm buscado outras redes para se conectarem. “Não é uma rede específica que vai representar esse fim da persona on-line, porque isso acontece em diversas plataformas”, avalia Kerley. “As pessoas vão buscar outras plataformas para se inserir, se engajar e apresentar essa persona construída. É a mesma coisa com os influenciadores. E esse processo é muito rápido.” Isso é notável, por exemplo, com o Bluesky, plataforma que também prioriza o texto e que ganhou 2 milhões de novos usuários desde o fim da atuação do ‘X’ no país.
A vontade de continuar compartilhando, postando, interagindo e buscando informações vai fazer com que as pessoas migrem para outras plataformas. O.cientista social Charles Antonio Pereira, de 32 anos, afirma que já migrou para o Threads e o Bluesky, apesar de sentir que as funcionalidades não são iguais às do Twitter. “Sentirei falta da plataforma devido ao costume, porém concordo com os motivos para a proibição da mesma. A soberania nacional precisa ser mantida.”