Aumento do nĂșmero de incĂȘndios sobrecarrega Corpo de Bombeiros
Tempo seco contribui para ocorrĂȘncias, que superam em 15 vezes a quantidade de queimadas registradas no perĂodo chuvoso
Nestas quarta (24) e quinta-feiras (25), o Corpo de Bombeiros de Juiz de Fora atuou em trĂȘs incĂȘndios de grandes proporçÔes em diferentes pontos da cidade. O mais grave deles atingiu uma ĂĄrea de vegetação nos bairros Parque IndependĂȘncia e Grama, na Zona Nordeste da cidade. Segundo os militares, o fogo se alastrou muito e rapidamente, e a corporação agiu para conter as chamas e proteger a Unidade de Conservação Parque Estadual Mata do Krambeck, que faz divisa com os bairros. A situação ilustra o cenĂĄrio preocupante do nĂșmero de incĂȘndios em Juiz de Fora durante o perĂodo de seca – o Ăndice chega a ser 15 vezes maior que a quantidade de incĂȘndios registrada em janeiro deste ano.
Sobre um dos episĂłdios mais graves dos Ășltimos dias, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e o Corpo de Bombeiros informaram Ă Tribuna que o incĂȘndio na Zona Nordeste começou na quarta, e, atĂ© o fechamento desta edição, ainda nĂŁo tinha sido possĂvel estimar a ĂĄrea queimada. Ao todo, 12 bombeiros militares participam do combate, alĂ©m de 15 militares do ExĂ©rcito Brasileiro e a gerente da Mata do Krambeck, ĂĄrea que chegou a ser ameaçada pelas chamadas. Eles contaram, ainda, com o apoio de um helicĂłptero do Comando de Aviação do Estado (Comave), da PolĂcia Militar de Minas Gerais (PMMG), com quatro militares.
Por volta das 18h30, a corporação informou que os militares tiveram ĂȘxito em trĂȘs das frentes de combate Ă s chamas. Entretanto, durante a noite, restou um ponto a ser combatido. “Existe a possibilidade de o incĂȘndio perder força e se extinguir Ă noite. No entanto os militares vĂŁo retornar pela manhĂŁ (nesta sexta) para garantir e fazer o combate se necessĂĄrio”, informou a assessoria de comunicação do Corpo de Bombeiros Ă imprensa.
TambĂ©m na quarta-feira, a corporação atendeu a uma outra ocorrĂȘncia grave, em que as chamas se alastraram no pasto de uma fazenda na Rua AntĂŽnio Francisco Lisboa, na altura do 280, Bairro Sagrado Coração de Jesus, Zona Sul. No entanto, segundo os bombeiros, o incĂȘndio atingiu uma âvegetação com vĂĄrias frentes, mas nĂŁo colocou nenhuma edificação em risco.â
Zona Sul
Na quarta-feira, a corporação jĂĄ tinha atendido a uma outra ocorrĂȘncia grave, em que as chamas se alastraram no pasto de uma fazenda na Rua AntĂŽnio Francisco Lisboa, na altura do 280, Bairro Sagrado Coração de Jesus, Zona Sul. Segundo os bombeiros, o incĂȘndio atingiu uma “vegetação com vĂĄrias frentes, mas nĂŁo colocou nenhuma edificação em risco.”
Na mesma regiĂŁo, na noite desta quinta, um novo foco de incĂȘndio foi registrado na Zona Sul da cidade. Por volta de 18h, as chamas avançavam sobre um terreno no Bairro Estrela Sul. A Tribuna entrou em contato com o Corpo de Bombeiros, mas a corporação informou que os militares nĂŁo haviam sido acionados para a ocorrĂȘncia. No entanto, os militares informaram que, atĂ© as 18h38, tinham recebido nove solicitaçÔes para combate a incĂȘndio no municĂpio somente nesta data.
Prevenção impede sobrecarga
Nesta quinta-feira, a Tribuna publicou reportagem destacando que Juiz de Fora enfrenta uma seca moderada, com 15 dias sem chuvas registradas – a Ășltima, conforme registro do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), foi no dia 10 de julho. Embora o tempo seco seja esperado para esta Ă©poca do ano na regiĂŁo, ele tende a aumentar as ocorrĂȘncias de incĂȘndio, tanto em nĂșmero como em ĂĄrea queimada, em locais com vegetação.
SĂł em julho de 2024, 60 ocorrĂȘncias de incĂȘndios jĂĄ foram registradas, nĂșmero 15 vezes maior que o observado em janeiro, perĂodo de chuvas na regiĂŁo, que teve quatro casos. Os meses de maio e junho deste ano, somados, indicam 253 registros. A tĂtulo de comparação, somando os valores do mesmo bimestre em 2022 e 2023, o total Ă© de 242 – menor ao divulgado no mesmo perĂodo somente deste ano.
Em todo o estado, os dados tambĂ©m se elevam neste perĂodo. Em janeiro de 2024, houve 231 casos de incĂȘndio, contra 2.263 em junho e 3.812 em julho. Os nĂșmeros mais do que dobraram em todos os outros anos, no comparativo entre janeiro e julho, desde 2020. No acumulado de 2020 a 2024, janeiro teve 990 incĂȘndios, enquanto julho teve 16.968, e junho, 12.419.
Ação humana
Apesar da contribuição do clima, outros fatores interferem para que os incĂȘndios atinjam um alto grau de gravidade, como a ação humana – que, muitas vezes, Ă© a causa das chamas – ou a falta de militares e recursos disponĂveis para atendimento de ocorrĂȘncias de incĂȘndio ou outras demandas concomitantes em razĂŁo do grande nĂșmero de chamados.
Foi o que aconteceu durante incĂȘndio em uma drogaria registrado tambĂ©m entre a manhĂŁ e a tarde desta quinta. O fogo se alastrou pelo segundo andar da farmĂĄcia, localizada na Avenida BarĂŁo do Rio Branco, na altura do nĂșmero 3.217. NinguĂ©m ficou ferido, mas devido Ă densidade da fumaça, que diminuĂa a visibilidade e comprometeria a saĂșde dos militares, a equipe precisou criar acessos em janelas e entradas alternativas para a parte de dentro da loja. Como o efetivo e o maquinĂĄrio disponĂveis na cidade estavam empenhados no incĂȘndio prĂłximo Ă Mata do Krambeck, os militares precisaram contar com ajuda de um caminhĂŁo-pipa da Cesama para atuar no incĂȘndio.
De acordo com o tenente JoĂŁo Victor, do 4Âș BatalhĂŁo dos Bombeiros Militares de Juiz de Fora, como hĂĄ sobrecarga no perĂodo de estiagem, o principal caminho para evitĂĄ-la seria o trabalho de prevenção – desde que as causas tambĂ©m fossem evitadas.
“Como hĂĄ um grande nĂșmero de incĂȘndios causados por pessoas propositalmente, os bombeiros solicitam que a população nĂŁo utilize a prĂĄtica para limpeza de terreno, queima de lixo e renovação de vegetação e pasto. AlĂ©m disso, tome cuidado ao descartar lixo, nĂŁo faça uso de equipamentos como balĂ”es, pois Ă© crime, e nĂŁo solte fogos de artifĂcio, acenda velas ou coloque fogo para trabalhos religiosos perto de vegetação”, orienta.
O tenente tambĂ©m explica que a baixa umidade do ar nĂŁo influencia diretamente nos incĂȘndios urbanos (dentro de edificaçÔes), mas, sim, nos que ocorrem em vegetaçÔes, a cĂ©u aberto – uma das caracterĂsticas do perĂodo de estiagem. “TambĂ©m hĂĄ aumento na ocorrĂȘncia de ventos, o que torna os incĂȘndios mais complexos de serem combatidos. A prĂłpria vegetação, proporcionada pela falta de chuvas, gera um maior nĂșmero de incĂȘndios e maior facilidade em sua propagação. Por isso, o Corpo de Bombeiros fica sobrecarregado em relação a ocorrĂȘncias para combater as situaçÔes, o que impacta os incĂȘndios urbanos”, afirma.
A Tribuna questionou a Prefeitura de Juiz de Fora a respeito de medidas para reduzir o impacto dos incĂȘndios. A administração afirmou que desde 2021 realiza a campanha “Queimada Mata”, que envolve a realização de vistorias em lotes vagos, notificação de responsĂĄveis e orientação Ă população. O objetivo Ă© orientar e conscientizar os habitantes sobre os riscos, alĂ©m de advertir sobre as exigĂȘncias legais.
A PJF explica ainda que, de acordo com o CĂłdigo de Posturas Municipais, os proprietĂĄrios tĂȘm a obrigatoriedade de fazer a manutenção dos lotes vagos, com limpeza e cercamento adequados, conforme previsto na legislação municipal, Lei 9896/2000 (cĂłdigo ambiental de Juiz de Fora) e decreto 12793/2016. A legislação tambĂ©m prevĂȘ puniçÔes para quem realiza queimada de qualquer natureza. A multa pode passar de R$ 27 mil.
IncĂȘndios podem ser naturais ou propositais
IncĂȘndios naturais ocorrem com frequĂȘncia durante a seca devido Ă combinação de baixos nĂveis de umidade no solo e na vegetação, que tornam plantas e ĂĄrvores mais suscetĂveis Ă combustĂŁo, como explica o diretor do Jardim BotĂąnico da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Breno Moreira Motta.
“A falta de ĂĄgua reduz a capacidade das plantas de resistir ao fogo e aumenta a quantidade de material combustĂvel disponĂvel. AlĂ©m disso, a ausĂȘncia de chuvas reduz a umidade atmosfĂ©rica, permitindo que faĂscas e fontes de ignição se espalhem mais facilmente. Ventos fortes, comuns em perĂodos secos, tambĂ©m contribuem para a propagação rĂĄpida das chamas”, destaca.
TambĂ©m Ă© comum proprietĂĄrios de terrenos com pastagens e mato alto realizarem queimadas para limpar a vegetação de forma rĂĄpida e barata. “AlĂ©m de facilitar a limpeza e o manejo do pasto, as queimadas tambĂ©m sĂŁo usadas para controlar plantas invasoras que competem com a vegetação desejada, melhorar a fertilidade do solo atravĂ©s da deposição de cinzas e criar condiçÔes favorĂĄveis para o crescimento de novas plantas, que podem ser mais nutritivas para o gado, por exemplo.” Entretanto, a prĂĄtica nĂŁo Ă© indicada pelo Corpo de Bombeiros, justamente pelo risco de causar queimadas.
Impactos ambientais
Os incĂȘndios na Mata AtlĂąntica causam grave perda de biodiversidade, destruindo habitats cruciais e ameaçando espĂ©cies locais. A degradação do solo e a emissĂŁo de gases de efeito estufa agravam o aquecimento global e alteram o ciclo da ĂĄgua, exacerbando enchentes e secas, conforme Breno.
“A perda da vegetação compromete a capacidade da floresta de regular a ĂĄgua e sustentar processos de sucessĂŁo florestal, afetando a qualidade do solo e da ĂĄgua. Os incĂȘndios causam severos danos Ă flora e Ă fauna. A vegetação Ă© destruĂda, comprometendo a diversidade de espĂ©cies e alterando a estrutura do habitat, o que prejudica a regeneração natural. Com isso, animais sĂŁo forçados a migrar para ĂĄreas menos seguras e muitos podem morrer diretamente pelo fogo ou pela falta de alimento e ĂĄgua. AlĂ©m disso, a destruição de plantas e presas desestabiliza as cadeias alimentares, impactando negativamente predadores e herbĂvoros. Esse desequilĂbrio afeta profundamente o ecossistema e a vida selvagem da regiĂŁo”, completa.
* EstagiĂĄrio sob supervisĂŁo da editora Rafaela Carvalho.