Conheça Nicolle Bello: artista que explora formatos e expressões por amor à cultura

Na coluna 'Sem lenço, sem documento' desta semana, a artista Nicolle Bello conta sobre suas origens e caminhos que pretende percorrer em uma vida para 'mudar o mundo'

Por Elisabetta Mazocoli

Cao Laru na Casa de Francisca foto Pop Cardoso @pop.cardoso.fotografia
Nicolle Bello é uma multiartista, que, por amor à cultura, trabalha com ilustrações, organiza festivais e mostras, se dedica à música e ao canto e ainda tem a dança no currículo (Foto: Pop Cardoso)

O caminho de cada artista é próprio e pode levar a idas, voltas, lugares nunca imaginados e aqueles que eram sonhados desde bem pequena. Se for para listar a quantidade de coisas que Nicolle Bello, de 33 anos, já fez, fica até difícil: as caricaturas que fazia para colegas na escola viraram encomendas, trabalha com ilustrações para a Chico Rei há anos, antes como fixa e agora como parceira freelancer, é organizadora de festivais e de mostras culturais, descobriu o amor pela música e a vontade de cantar, se encantou ainda pela performance, o que a levou a participar de um grupo de dança contemporânea chamado Num e, mais tarde, viu despertado também o gosto pelo teatro. No caso dela, esse percurso já passou por todas as regiões brasileiras, com a banda Čao Laru, além de ter propiciado temporadas em diversos países europeus, e está presente também nos traços que saem da sua cabeça e ficam em blusas que percorrem todos os lugares, junto com a marca juiz-forana Chico Rei. E, como a artista diz, apesar das mudanças de formas e técnicas, em tudo o que faz há uma mensagem de amor à cultura que permanece. 

A influência para trabalhar com arte veio ainda bem cedo, a partir de seu pai, conhecido como ‘Bello’, e que inclusive trabalhou como chargista na Tribuna. vendo o pai desenhar, ela já se aproximou dos traços dele e passou a ter esse contato diário com arte. “Ele estava quase sempre desenhando, mas quando não estava, ficava era cozinhando, tocando música. Então sempre foi um ambiente muito criativo, tanto que eu não consigo nem imaginar outra coisa pra minha vida”, explica. A relação com a música, ela também nem lembra quando começou, mas sabe que a força das letras das canções sempre a impactaram – e até por isso, quando pequena, preferia as letras nacionais do que as estrangeiras. “Por mais que eu também não entendesse muito bem o que elas falassem, gostava. Imagina, o Gil cantando ‘Começou a circular o Expresso/ dois dois dois/ que parte direto de Bonsucesso/ pra depois’, isso não fazia sentido direito pra mim, mas me tocava mais, me lembrava mais o meu cotidiano”, diz. Mesmo assim, para que começasse a entender que esse trabalho é possível, foram necessários anos de experiência e maturidade, testando o que funcionava melhor para ela e também aprendendo. A vida de artista não é nada fácil e nem sempre é valorizada – mas, como deixa claro, “não tinha outro jeito”. 

Quando criança, ela também era considerada especialmente tímida, o que fez com que a família procurasse uma psicóloga, que então indicou a prática de alguma atividade artística para que ela ‘se soltasse’. A mudança foi tanta que, anos depois, ao conhecer a banda franco-brasileira Cao Laru, que admirava muito, cantou em uma roda na qual estavam os integrantes e foi se aproximando deles. Até que, em 2019, foi convidada para participar da banda cantando, e ficou nela por cerca de quatro anos. “Eu tinha muita vontade de fazer isso, sempre fui apaixonada por música e por dança, mas não achava que isso podia ser a realidade. Mas ainda bem, fui conhecendo essas pessoas, que me ajudaram a abrir essas portas”, relembra. Para ela, esse período viajando com a banda sempre vai ser lembrado como uma época de grande aprendizado, em que ela estava sempre conhecendo pessoas interessantes e absorvendo cultura – como por exemplo a música francesa e a argentina, com as quais ela não tinha tanto contato antes, e das quais foi podendo se aproximar a partir das viagens e vivências com os integrantes. “Essa experiência foi muito linda, em muitos sentidos. Teve essa parte poética que todo mundo vê, nas redes sociais e nos shows, mas também tem a parte difícil. Por exemplo, a  primeira vez em que fui pro exterior com eles, eu não falava nenhuma língua, então fiquei três meses fora sem conseguir conversar direito com os outros, sabe?”, relembra.

A experiência, no entanto, chegou ao fim quando ela quis voltar para Juiz de Fora. “A Cao Laru é uma banda itinerante, tá sempre viajando e rodando por aí. É uma coisa muito linda, mas eu sou muito juiz-forana, agarrada. Sinto falta da minha família, dos meus cachorrinhos. E aí voltei”, conta. Para continuar próxima da música, entrou no curso de formação em Canto Popular na Bituca Universidade de Música, e segue aprendendo, assim como fazendo mil outras coisas e experimentando artisticamente – algo que a vida, aqui, também permite. Para ela, a integração entre as artes, ao contrário do que as pessoas podem pensar, é algo que facilita a própria expressão. Explica: “É igual quando falam que quanto mais línguas você sabe, é mais fácil aprender outras, sabe? Eu tenho uma sensação que é um pouco assim, que ajuda muito”.

Juiz-forana, mineira, brasileira

Nicolle Bello não é só juiz-forana bairrista e declarada, mas também mineira e brasileira. Isso fica claro pelas referências musicais, que vão desde os grandes nomes da MPB até bandas locais, como a Tata Chama e as Inflamáveis, que esteve na Fundação, mas também pelo que expressa desde que começou na Chico Rei. Suas estampas incluem a da América Latina unida e também a espada de São Jorge, que foi feita em uma dessas andanças. “Eu estava com a Cao Laru na Europa, e teve um dia em que foi todo mundo passear, e eu não estava muito no clima. Aí fui rabiscar, fiz pra curtir meu dia, uma espada-de-São-Jorge. E deu muito certo! É uma das que mais vendem hoje”, conta. O amor pelo estado, como percebe, não é algo exclusivo dela – em todo lugar do mundo em que esteve, quando alguém conhecia Minas Gerais, era apaixonado, seja pela língua, pelas pessoas, pela comida ou pela cultura. 

Também por esse amor que sente e a vontade de ficar, é que ela reconhece as dificuldades de ser artista em Juiz de Fora. “Eu acho que a cidade não valoriza muito a cultura, apesar de ser riquíssima em cultura. É muito rica, tem artistas brilhantes em todas as áreas. Mas muitos precisam sair de JF para despontar, sabe? Porque aqui não valorizam muito. Mas o artista que fica aqui, resiste, porque não é fácil viver de arte aqui”, diz. Para ela, a cidade tem um potencial enorme e que deveria ser mais explorado, inclusive com o turismo cultural, já que está em um lugar estratégico em relação ao estado mais rico do Brasil. Na cidade, também desenvolveu o festival ‘Salve o Paraibuna’ por isso, como uma forma de valorizar o que é da região e o que pode ser feito pelos artistas.

Foto Nicolle
Para Nicolle, educação e cultura são ferramentas de mudança, que colaboram para deixar o mundo um lugar melhor (Foto: Arquivo Pessoal)

Formas de mudar o mundo

A artista gosta da liberdade de não estar presa em uma coisa só – para ela, isso enriquece toda forma de arte. O importante, como destaca, é manter uma mensagem que faça sentido para o que pretende transmitir: “A forma varia muito, a gente vai mudando, cada época vai fazendo um estilo ou adotando um traço, sabe? O que não muda é valorizar essa brasilidade e o amor por essa cultura tão rica”, destaca. A experiência, até aqui, também a fez entender isso. “Quanto mais a gente conhece a cultura de fora, mais vai percebendo coisas sobre a própria cultura. Há pouco tempo, quando eu voltei pra JF, as pessoas me falavam ‘Não entendi nada, você foi pra fora e voltou mais mineira'”, relembra e ri.

Além de estar no Bituca, ela também está cursando Pedagogia. “Quando eu conto isso, as pessoas sempre me questionam por que estou estudando. Eu não sei se é uma pretensão necessariamente de virar professora, pode ser que seja, eu tô descobrindo”, reflete. O que tem certeza, no entanto, é algo que também declarou no primeiro dia de aula, e que faz parte da sua trajetória desde sempre. “É pela mesma razão que eu faço arte, que é mudar o mundo, nesse sentido de deixar o mundo um lugar melhor, contribuir para deixar ele mais justo e bacana de se viver. Da mesma forma que eu acredito que a arte, através da sensibilidade, colabora pra isso, acredito que a pedagogia também, porque a educação é uma das principais ferramentas de mudança. Educação e cultura, na verdade, pra mim, quase são a mesma coisa, em certa medida”, diz.

 

 

 

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli é uma repórter formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pós-graduanda em Escrita e Criação pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Escreve a coluna "Sem lenço, sem documento", que conta a história de artistas, artesãos e pessoas que trabalham com cultura em Juiz de Fora, mas que nem sempre são conhecidos pelo grande público. Também escreve matérias de cidade, educação, saúde, cultura e diversos outros temas. É autora do livro-reportagem "Do lado de fora: dez perfis de mulheres anônimas", escrito como Trabalho de Conclusão de Curso, e se interessa por jornalismo literário. No tempo livre, escreve e lê literatura, se interessa por produções audiovisuais, viaja, cuida de gatos e aprende línguas. [email protected] LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/elisabetta-mazocoli/

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