Mãe é presa sob suspeita de torturar filha de 10 anos
Uma mulher de 26 anos foi autuada por tortura contra a própria filha de 10 anos. Denunciada por anônimos, ela foi presa em flagrante e encaminhada à Penitenciária Ariosvaldo Campos Pires, na madrugada de sexta-feira (4). Moradora da Vila Alpina, Zona Leste, a mulher é acusada, ainda, de obrigar a menina a trabalhar dentro de casa. Informações de vizinhos feitas ao Conselho Tutelar deram conta de que a vítima era feita de empregada doméstica pela suspeita, que a deixaria sozinha na residência com todas as responsabilidades da casa, inclusive a de tomar conta do irmão mais novo, de 6 anos, que também seria alvo de maus-tratos. A última agressão contra a menina teria ocorrido na quinta-feira, quando a menina teria sido golpeada na cabeça e pernas com uma correia de borracha de sofá. A alegação era de que ela teria chegado tarde em casa e não estaria obedecendo à mãe. Só no primeiro semestre do ano passado, os conselhos tutelares registraram 193 casos de maus-tratos contra a população infantojuvenil de Juiz de Fora.
O caso veio à tona depois que a Polícia Militar recebeu denúncia anônima de que uma criança estaria sendo espancada pela mãe. Policiais seguiram para o endereço e constataram que a menina apresentava várias marcas de agressão pelo corpo. Ao ser questionada, ela confirmou ter apanhado da responsável. A mulher também teria confessado o crime aos policiais, dizendo que havia dado uma correção em sua filha, porque ela teria chegado em casa por volta de 1h na noite anterior. A vítima foi levada para o Hospital de Pronto Socorro (HPS) para ser medicada e foi submetida a exame de corpo de delito, o qual constatou hematomas e ferimentos causados por instrumento contundente.
O Conselho Tutelar Leste foi acionado para acompanhar o caso, e todos os envolvidos foram levados para prestar declarações no plantão da 1ª Delegacia Regional de Polícia Civil, em Santa Terezinha. A conselheira Maria de Lourdes Martins Dias confirmou, em depoimento, que já havia atendido ocorrências envolvendo a suspeita que, com frequência, agredia a própria filha. Os vizinhos também contaram à profissional que eram constantes os espancamentos cometidos pela mulher contra a menina.
Ao ser ouvida pela Polícia Civil, a garota confirmou a violência e disse não saber o motivo pelo qual tem sido agredida. Ela contou que, desta vez, sua responsável havia pego uma tira de borracha e desferido golpes contra sua cabeça e pernas. Conforme a vítima, a suspeita a deixava sozinha na residência e "só aos domingos ela (mãe) não saía de casa". A criança também relatou que havia perdido o contato com o pai, que moraria em outro bairro da mesma região. Apesar de admitir ter batido na filha, a mãe negou que fizesse isso com frequência. Segundo ela, o ato seria uma forma de "correção". A mulher disse, ainda, não ter costume de deixar a menina sozinha.
Com base nos depoimentos e no laudo de lesões corporais da criança, a suspeita foi autuada em flagrante, conforme o artigo primeiro, inciso II, da Lei 9.455/97, que define os crimes de tortura e dá outras providências. A norma prevê pena de reclusão de dois a oito anos para o crime de "submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo". Ainda é previsto aumento da pena de um sexto até um terço pelo fato de o crime ter sido cometido contra uma criança.
Guarda
Segundo a conselheira Maria de Lourdes, a menina e o irmão ficaram com familiares, sendo o caso encaminhado para a Vara da Infância e Juventude para providências cabíveis. "Aplicamos uma medida de proteção de emergência, porque a agressora era a responsável e foi detida." Segundo ela, o fato é comunicado à juíza, que decide sobre a guarda definitiva das crianças. No caso da menina, uma tia materna se prontificou a ficar com ela. Já o menino está sob o cuidado de tias paternas.
"Temos informações de que os dois são vítimas, porém, o menino em menor proporção. A mãe passaria quase todas as noites fora." Maria de Lourdes disse ter ficado chocada com a violência. "Fizemos levantamentos no bairro e recebemos muitas denúncias. A menina apanhou com correia de borracha, a mesma usada em pneu de carro. Foi muita crueldade. Não foi apenas uma chinelada, que também está errado."
Para a conselheira, o fato de a mãe ter sido autuada em flagrante por tortura merece destaque. "O delegado caracterizou a tortura pela permanências das agressões. Desta vez, teve uma conseqüência. Isso vai ajudar a própria família e as outras pessoas a pensarem duas vezes."
Uma agressão a cada dois dias
Os 193 casos registrados pelos conselhos entre janeiro e julho do ano passado equivalem a uma ocorrência de maus-tratos contra crianças e adolescentes a cada dois dias. Os números incluem, além de agressões físicas, negligência, abandono e outras formas de violência.
Em 2011, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou parecer à proposta do Executivo que proíbe uso de castigos corporais em crianças e adolescentes. O projeto de Lei 7672/10 altera artigo da lei 8.069/90, do Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecendo direito de meninos e meninas serem educados sem o uso de agressões físicas ou de tratamento cruel ou degradante.
A norma, que ficou conhecida, erroneamente, como lei da palmada, ainda não foi sancionada. Defendida por especialistas, ela é considerada um "avanço civilizatório" no combate aos maus-tratos domésticos, embora parte da sociedade considere que ela interfere na forma como os pais criam os filhos. A interpretação é considerada equivocada pela relatora do projeto, a deputada Teresa Súbita (PMDB-RR), uma vez que o que a lei coíbe é a punição corporal, considerada forma de violência na qual o mais forte, o adulto, acaba por vitimizar o mais fraco, no caso, a criança. "A palmada não é o objetivo do projeto. Nosso objetivo é atingir casos extremos. Mas muitos desses casos de violência começam com a palmada, então essa é uma forma de educar a sociedade", declarou a deputada.