Estreante nas Olimpíadas, breaking representa mudança de vida para juiz-foranos
Atletas locais modalidade cobram mais apoio e divulgação da modalidade surgida nos Estados Unidos nos anos 70
“Quero contrariar as estatísticas e mostrar que dentro da quebrada também tem talento”. É pensando dessa forma que o B-boy Kelson Gomes, de 24 anos, morador da Vila Olavo Costa, Zona Sudeste, vive o seu sonho no breaking. Praticante desde que tinha 10 anos, Kels, como é conhecido no meio, representa Juiz de Fora em campeonatos por todo o Brasil. “É o amor da minha vida e sou muito ambicioso com isso”, resume o jovem, sobre a dança urbana que irá estrear nas Olimpíadas de Paris neste ano.
A competição de breaking ocorrerá nas Olimpíadas na Place de la Concorde, nos dias 9 e 10 de agosto. Serão 16 B-Boys e 16 B-Girls (como são chamados os atletas do naipe masculino e feminino, respectivamente). A seleção brasileira é formada por três B-Girls e três B-Boys. Porém, o b-boy Leony, de Belém, é o único que ainda possui chances de ir aos Jogos, por estar melhor colocado no ranking olímpico.
Início e elementos do breaking
Surgido em 1970 no Bronx, nos Estados Unidos, o breaking é um dos cinco elementos do hip-hop. Originário das comunidades negras e latinas, a dança tinha o objetivo de resolver a briga entre gangues de uma forma mais branda. No Brasil, a arte chegou em meados dos anos 80 e tem ganhado destaque nos últimos anos. Movimentos do samba e da capoeira também são utilizados nas apresentações.
A dança se baseia em quatro elementos. A apresentação começa com o “Top Rock”, uma sequência de passos em pé executada pelo B-Boy ou B-Girl antes de iniciar os movimentos no chão. Nesse momento, o dançarino demonstra sua habilidade e capacidade de seguir o ritmo da música com movimentos de mãos e braços. Já o “Footwork” ocorre quando o breaker já está no solo e usa as mãos para dar suporte ao corpo enquanto movimenta os pés e as pernas de várias maneiras, especialmente em movimentos rítmicos de rotação circular, usando também os quadris, ou estabelecendo padrões de movimento em linhas retas, diagonais ou de forma livre.
Freeze, ou “congelamento”, acontece quando o atleta mantém uma posição por alguns segundos, como se estivesse congelado. Geralmente é feito para destacar momentos dramáticos da música ou encerrar uma sequência de movimentos. Por último, os “power moves” são os elementos mais dinâmicos do breaking, que envolvem o impulso contínuo do corpo, equilibrando-se nas mãos, cotovelos, cabeça, costas ou ombros. As pessoas com mais flexibilidade realizam também movimentos torcendo o corpo, como mortais, saltos acrobáticos e parafuso.
As competições acontecem de diversas formas. Há a categoria clássica (1×1), entre duplas, trios ou crews de até oito participantes. Cada um defende seu estilo, forma de desenvolver e inspirações. As batalhas geralmente são com três jurados, mas depende da competição. As músicas tocadas enquanto os atletas realizam os movimentos são, em sua maioria, hip-hop underground e funk soul.
“O amor da minha vida”
Kelson Gomes começou no breaking em 2010, quando um amigo enxergou talento ao pedir para que ele fizesse um passo de dança. Desde então, ele não parou. Com 14 anos de experiência, hoje ele realiza seus treinos diariamente na Dynamo Academia, local em que a Tribuna pôde observar a alegria estampada em seu rosto ao praticar o esporte e ver suas fotos de ponta-cabeça. Representando Juiz de Fora, ele já participou de campeonatos como Red Bull BC One Cypher, Campeonato Brasileiro de Breaking, Undisputed Masters Qualifier e Eliminatórias World Bboy Classic.
“É o amor da minha vida. Sou ambicioso e quero treinar muito para ver ate onde eu consigo chegar. Minha meta é participar dos principais campeonatos do mundo e correr atrás dos títulos também, ser um dos melhores do mundo. De onde eu vim, tem muita criminalidade, então, quando chegar aos 40 anos, quero ser referência para ajudar os jovens. Não imaginava que hoje em dia estaria viajando o Brasil para competir”, se orgulha Kels, que divide sua rotina entre o esporte e seu emprego em uma oficina.
Perguntado sobre o cenário do breaking em Juiz de Fora, Kels diz que é defasado, apesar de alguns campeonatos acontecerem durante o ano. “Infelizmente, sou a última geração do break na cidade. Muita gente largou para fazer faculdade ou ir para outra profissão. Mas, hoje em dia, é um pouco mais fácil de profissionalizar. Temos muita vontade de aumentar o número (de atletas) em Juiz de Fora, já fizemos alguns shows no calçadão e sempre aparecem crianças interessadas”, conta.
Com o objetivo de fomentar a cultura em Juiz de Fora, os praticantes realizam treinos coletivos às sextas-feiras e aos domingos no Teatro Paschoal. Kels disponibiliza o seu Instagram (@kelsmacfly) aos interessados em saber mais sobre o projeto.
“Me salvou de más influências”
Marcos Vinícius de Castro, o “Vini”, também é um juiz-forano que pratica breaking. Ex-morador da Vila Olavo Costa, o jovem de 24 anos descobriu um problema cardíaco e teve que parar de jogar futebol, sua paixão desde criança. “A doença me impedia de fazer algumas coisas, mas o break foi minha salvação. Comecei a me dedicar, pesquisar e ver que faria daquilo minha profissão. Me salvou das ruas, de más influências e me incentivou a ser uma pessoa melhor, ter uma visão mais ampla de tudo e querer aprender sempre”.
Atualmente, o juiz-forano mora em Santo André (SP) em busca de ganhar mais oportunidades no mundo artístico. “Breaking é o que me move desde que tive o primeiro contato. Minha mãe me apoiou para ocupar meu tempo, e, hoje, me deu outra perspectiva”, analisa Vini. “Além de treinar, assisto e estudo batalhas, vejo vídeos, penso em possibilidades novas. Levo como profissão, é o que faço de melhor. Quero um dia poder viver só com isso e não precisar ter que trabalhar com outra coisa”, afirma.
Em Juiz de Fora, Vini acredita que há muito talento. “Mas a cultura em si não ajuda, falta as pessoas compartilharem mais ao invés de pensar só em si. Além de, claro, as outras pessoas respeitarem”. A inclusão da modalidade nas Olimpíadas pode ajudar na sua propagação, na visão do atleta. “Terá mais reconhecimento. É mais que merecida a inclusão e tem que ser ainda mais valorizada pela força e tudo que representa. As pessoas precisam saber o papel do breaking e levar até o fim. Assim, as oportunidades melhoram com parcerias e patrocínios”.
“Mudou minha vida”
Gustavo Lemes, o “Boiz”, tem 29 anos e é morador do Bairro Dom Bosco, na Cidade Alta. O breaking já o levou, além de diversos lugares do Brasil, para o Chile. “A cultura hip-hop te abraça, cada vez mais você vê isso, é inexplicável. (O esporte) é essencial, a minha formação foi transformada. Mudou minha vida, estou cursando educação física por causa dele. Jamais imaginaria isso. Digo que salvou minha vida mesmo, e vou praticar até não aguentar mais”, projeta Boiz.
Na visão do atleta, o breaking teve uma evolução grande quando os praticantes começaram a entender que precisam cuidar dos corpos como atletas. O que falta, ainda, é apoio da população. “O cenário precisa ser mais valorizado. Temos dificuldade em manter um local fixo, por exemplo. E pouca valorização monetária também. Damos aulas e workshops, mas é muito difícil receber pelo seu trabalho. É complicada a multiplicação do break, muita gente parou de dançar, mas não veio outras pessoas. Tenho medo de acabar”.
Apesar do receio, Boiz torce para que a inclusão da dança nas Olimpíadas possa fortalecer o cenário. “Sempre tratamos o breaking como cultura, então ficamos meio pensativos (quanto a tratar como esporte). Mas depois você consegue compreender que é uma nova forma de fomentar o break. A inserção dele nas Olimpíadas é muito importante para que sejamos valorizados”, entende.