Conheça cinco álbuns que completam 50 anos em 2024
Tribuna lista discos da Música Popular Brasileira que foram lançados em 1974
Voltar 50 anos atrás é também entender o que era o Brasil em 1974. E fazer isso a partir da música é um ótimo caminho – entendendo que a produção musical é, além de tudo, um retrato da sociedade no momento em que se lança um trabalho. É por esse motivo que a Tribuna listou cinco álbuns da Música Popular Brasileira que, em 2024, completam 50 anos. Muita coisa fica de fora quando se faz uma lista. E é por isso que vale também ir atrás de outras produções para conhecer mais a fundo o que foi criado naquele momento.
‘A tábua de esmeralda’, de Jorge Ben Jor
O álbum mais aclamado de Jorge Ben Jor é de 1974: “A tábua de esmeralda”. Já no nome o músico traz uma referência que guia, praticamente, todo o trabalho (desde a capa). Trata-se do nome de um texto, escrito por Hermes Trismegisto, que deu origem à alquimia. A esse mesmo autor atribui a idealização do hermetismo, que é uma religião. E, neste álbum, Jorge Ben Jor traduz todo esse tratado hermético em canção, mantendo seu suingue, sobretudo a partir de seu violão e das percussões, que perpassam seu trabalho.
A primeira música já traz essa alquimia. O hit “Os alquimistas estão chegando” é quase como um resumo da obra: traz as referências e o suingue logo de cara. Outro hit é “Menina mulher da pele preta”, um samba que pouco fala sobre o hermetismo, mas conversa com o todo na medida que evidencia a cadência. A mesma coisa acontece em “Magnólia” – apesar de, nessa, o amor ser confirmado a partir dos astros que o compositor diz consultar. Mas é em “Hermes Trismegisto e sua celeste Tábua de Esmeralda” que o carioca apresenta praticamente todo o texto da “Tábua de Esmeralda”, de Hermes Trismegisto – e tudo isso em um samba tão Jorge Ben Jor que deixa a teoria bem mais gostosa.
‘Cantar’, de Gal Costa
Pode-se dizer que “Cantar”, o quinto álbum solo de estúdio de Gal Costa, é aquele que, depois de uma sequência de explosão, é o mais intimista da cantora baiana (pelo menos naquele momento). Como o nome sugere, Gal trabalha, mais que tudo, a potência de sua voz e os lugares até onde ela pode chegar, no íntimo. Exatamente por essa inversão de rumo (o íntimo ao invés da expansão, sobretudo por Gal ser uma voz ativa e forte contra a opressão da ditadura militar) o álbum não agradou tanto quando foi lançado e dividiu as opiniões do público. Mas isso logo se inverteu.
“Cantar” foi produzido por Perinho de Albuquerque e Caetano Veloso. Já de começo, traz duas grandes músicas que naquele momento eram inéditas: “Barato total”, de Gilberto Gil e “A rã”, de João Donato e Caetano. Do músico do Acre, ela ainda canta “Flor de maracujá” e “Até quem sabe”. De Jorge Mautner, tem “Lágrimas Negras” e de Péricles Cavalcanti, “O céu e o som”. Já de Caetano, tem “Lua, lua, lua”, “Jóia” e “Flor do cerrado”. Essa última, inclusive, traz um medley com “Garota de Ipanema”, na voz do compositor. E não é a única que traz a Bossa Nova, já que o disco inclui “Canção que morre no ar”, de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli.
‘Elis & Tom’, de Elis Regina e Tom Jobim
Quando completou dez anos de contrato com a Philips, Elis Regina ganhou a possibilidade de gravar um disco com Tom Jobim. As gravações aconteceram entre fevereiro e março em Los Angeles. E quem assinou com arranjos foi o pianista César Camargo Mariano que, além de produtor musical de Elis, era, na época, seu marido. A presença de César foi importante para essa junção entre um dos maiores compositores e uma das maiores cantoras do Brasil, uma vez que ele conseguiu fazer com que nem Elis e nem Tom Jobim se deixassem ser levados totalmente pela Bossa Nova. O resultado foi um álbum que, mesmo com músicas já conhecidas, é único e, por isso, foi tão aclamado pela crítica logo no seu lançamento – e até hoje. No ano passado, inclusive, os bastidores da gravação ganharam o cinema e se transformaram em documentário, “Elis & Tom – Só tinha de ser com você”.
São 14 canções de Tom Jobim. Tem faixas que Elis canta sozinha e, em outras, em dueto com o músico. É até difícil destacar algumas dessas 14 músicas. Mas a primeira, “Águas de março”, em formato de dueto, foi mesmo a que mais chamou atenção na época. E vale ainda lembrar de “Só tinha de ser com você”, “Retrato em preto e branco”, “Brigas nunca mais”, “Chovendo na roseira” e “Inútil paisagem” que ganham interpretações profundas e até sentidas de Elis. Mas tudo é uma verdadeira obra.
Elis, neste mesmo ano, lançou o álbum “Elis”, que também vale a pena ouvir, com suas interpretações de “Ponta de areia”, “Travessia” e “Amor até o fim”, entre outras.
‘Sinal fechado’, de Chico Buarque
Em 1974, Chico Buarque lançou o primeiro e único álbum cantando apenas músicas de outros compositores, “Sinal fechado” (olha a brincadeira logo no nome, que vem da canção de Paulinho da Viola). O motivo: a censura logo vetava qualquer música que tinha seu nome, naquela altura. Mas ele deu jeito de, entre outros nomes, colocar o seu. Foi a primeira vez que apareceu o nome de Julinho da Adelaide, pseudônimo que adotou, assinando uma de suas canções. No caso, “Acorda, amor”. Mas claro também que Chico deu jeito de, mesmo nas composições de seus parceiros, deixar, nas entrelinhas, críticas à ditadura.
Tem, em “Sinal fechado”, “Copo vazio”, de Gilberto Gil – até hoje tão associada ao período ditatorial brasileiro. Caetano Veloso se faz presente em “Festa imodesta” e Tom Jobim em “Lígia”. Música até hoje recorrente em seus shows, “Sem compromisso”, de Nelson Trigueiro e Geraldo Pereira, também é deste trabalho, que finaliza com a canção que dá nome ao álbum.
‘Temporada de verão’, de Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil
Nem Caetano Veloso e nem Gilberto Gil lançaram trabalhos de estúdio em 1974. No entanto, junto com Gal Costa, eles lançaram o ao vivo “Temporada de verão”. Trata-se de um registro de uma apresentação do trio baiano no tradicional Festival de Verão, que, naquele ano, aconteceu no Teatro Vila Velha, em Salvador. Quem assumiu a produção, junto com Guilherme Araújo, e os arranjos foi Perinho Albuquerque, que já orientava os músicos naquela fase. Parte das canções que compõem o álbum precisaram ser regravadas, já que a gravação original tinha apresentado problemas. Para dar aquele ar do ao vivo, eles incluíram sons de aplausos no final da faixa refeita. Truque de mestre, e que deu certo.
O interessante é que dá para perceber a conexão de Gil, Caetano e Gal com o público e entre eles mesmos, as brincadeiras, as intervenções. No repertório, eles incluem músicas de vários outros compositores. Tem Caetano Veloso cantando “De noite na cama”, de Erasmo Carlos, tem ele cantando também “O conteúdo” de forma carismática e até “Felicidade”, de Lupicínio Rodrigues. Tem ainda Gilberto Gil com a divertida “O relógio quebrou”, escrita por Jorge Mautner. Já Gal se aventura em Péricles Cavalcanti com a linda “Quem nasceu” e a profunda “Acontece”, de Cartola. É trabalho, sobretudo, que mostra quem era os três depois do tropicalismo e ainda o que eles fariam, juntos, em Doces Bárbaros, junto com Maria Bethânia.