Sobre o direito de guarda dos filhos: retrospectiva e perspectivas
Confesso que tive dificuldade para encontrar o tema dessa coluna, a primeira do ano de 2024. Inicialmente pensei em escrever uma retrospectiva do Direito das Famílias, elencando as principais leis, decisões judiciais e contribuições acadêmicas do ano passado. Entretanto, precisei abortar essa ideia. Eu precisaria de pelo menos umas cinco colunas para conseguir abordar, mesmo que superficialmente, todas as novidades dignas de destaque. Perdi o tema, mas ganhei uma prova (mais uma) da atualidade e importância desse ramo do direito que tanto me encanta: o Direito das Famílias
Depois tive a seguinte ideia: ao invés de olhar para o passado, eu deveria tentar vislumbrar o futuro. Em outras palavras: ao invés de escrever uma retrospectiva do ano de 2023, eu deveria esboçar as perspectivas do Direito das Famílias para o ano de 2024. Animada com a ideia, peguei papel e caneta e comecei a rascunhar todos os temas que, na minha opinião, irão movimentar os tribunais brasileiros nos próximos meses. No meio desse processo tive um estalo, pois um tema apareceu tanto na retrospectiva quanto na perspectiva. O tema? O direito à guarda dos filhos.
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Um dos destaques de 2023 foi a criação da Lei 14.713, que, entre outras mudanças, deu nova redação ao § 2º do artigo 1.584 do Código Civil para estabelecer o risco de violência doméstica ou familiar como causa impeditiva ao exercício da guarda compartilhada. Assim ficou a nova redação do dispositivo citado: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar”.
Se ainda restava alguma dúvida quanto à obrigatoriedade ou não da guarda compartilhada como modelo de guarda dos filhos a ser fixada judicialmente, ela foi extinta com a criação da Lei 14.713. A guarda compartilhada não é um modelo obrigatório, mas sim preferencial; e, por ser preferencial, pode ser preterido em algumas situações, sendo uma delas a existência de risco de violência doméstica ou familiar.
A intenção da nova lei – que é a proteção da criança – é louvável. Mas, infelizmente, não podemos depender somente de boas intenções, pois há, nessa lei, um problema que não passou despercebido pelos juristas brasileiros. Ela faz referência à “probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar”. O que isso significa? Como esse termo deve ser interpretado?
Restringir o convívio de um dos pais com os filhos é um ato de extrema gravidade, que só pode ser adotado com o maior cuidado possível. Por isso chama atenção a nova lei utilizar um termo tão subjetivo e aberto às mais diferentes interpretações. Esse problema é, na minha opinião, um dos grandes desafios que teremos que enfrentar no ano de 2024.
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Em conclusão: teremos mais um ano movimentado no Direito das Famílias. De minha parte, reafirmo o meu propósito quando aceitei o convite para escrever essa coluna: o de trazer as principais novidades e discussões no Direito das Famílias. E continuarei a fazer isso em 2024. Desejo um excelente ano novo a todos os leitores.