Regulação para evitar danos
O uso inadequado da inteligência artificial já se mostra danoso antes mesmo do início da campanha eleitoral, o que exige pressa dos políticos e da Justiça Eleitoral
A Polícia Federal está investigando no Amazonas, Rio Grande do Sul e Sergipe suspeitas de uso da inteligência artificial para criação de áudios falsos de prefeitos que devem tentar a reeleição. A técnica de adulteração, conhecida como “deepfake”, o timbre e até o jeito de falar de alguém é recriado artificialmente, tornou-se preocupação por conta das consequências. Na edição de domingo, o jornal “O Globo” destacou o caso do prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), que teve um áudio a ele atribuído, no qual trata os professores da rede pública municipal de “vagabundos”. E mais, de acordo com a publicação, ele também disse que os servidores “querem um dinheirinho de mão beijada”. O prefeito lidera as pesquisas de intenção de votos, mas teme as consequências da publicação que gera consequências semelhantes em outras regiões.
O ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, defende a regulamentação urgente do uso da IA, a fim de coibir danos irreversíveis já nas eleições deste ano. Ele anunciou para o dia 25 uma audiência pública para discutir uma resolução que deve regulamentar o tema. O ministro antecipou que haverá duras penas para quem utilizar o processo para descontruir a concorrência, como ora se suspeita no caso dos prefeitos que recorreram à Polícia Federal.
O presidente da Câmara Federal, deputado Arthur Lira, tem dito que ainda no primeiro semestre serão votados projetos sobre a mesma matéria. O parlamentar demonstra desconforto com a movimentação do TSE que articula medidas para as eleições. E tem razão, pois cabe ao Congresso fazer Leis e não à Justiça Eleitoral.
Entretanto, Lira também precisa se movimentar, pois não é de hoje que se fala em regulação das redes sociais e temas correlatos que geram consequências semelhantes. Ele se aborrece com a assertividade do ministro, mas não faz a sua parte, só colocando o tema na agenda quando é provocado pelo Judiciário. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, também se movimenta no mesmo sentido, prevendo para abril algum tipo de regulação da inteligência artificial.
Todos estão com intenções semelhantes, mas é preciso que, além das boas intenções, trabalhem juntos, a fim de garantir uma legislação sólida, capaz de coibir os abusos. Apartados, correm o risco de criarem textos distintos e em conflito, o que pode ser um problema para a implementação de medidas de combate ao uso abusivo da IA e das redes sociais.
O descompasso entre os poderes precisa ser evitado, o que exige de suas lideranças um mínimo de razoabilidade. Os especialistas defendem a realização de um Fórum Brasileiro para elaboração de um plano nacional capaz de contemplar todas as propostas.
A ideia é boa, sobretudo para colocar na mesma mesa todas as instâncias de poder e, sobretudo, especialistas que podem trazer experiências de sucesso de outros países. Afinal, é fundamental discutir um tema que não pode ser visto apenas pelo viés negativo que já motiva investigações da Polícia Federal. A IA é um avanço da pós-modernidade e irreversível. Na Coréia do Sul, também destaca o matutino fluminense, três candidatos a presidente utilizaram avatares para se comunicarem com a população.
Além disso, a inteligência artificial já dá grande colaboração à ciência, sendo utilizada, inclusive, na avaliação de exames médicos. Há, pois, motivos para tratar o tema com serenidade de urgência, uma vez que a sua aplicação de má fé pode ser um passo atrás.