O brasileiro é, antes de tudo, um fingido. E não vai aqui, recôndito leitor, nenhum julgamento de valor, longe de mim. É que a arte de fingir faz parte do nosso cotidiano de brava gente, de modos a fazer a vida social possível. Não posso falar sobre os dinamarqueses, os samoanos e os gambianos, entre os quais não tive ainda a oportunidade de viver. Mas aqui nessa Ilha de Vera Cruz, o fingimento é uma virtude indispensável para a existência pacífica.
É bom que se diga, o verbo fingir deriva do latim “fingere”, que significa algo como “moldar o barro”, ou seja, dar forma a alguma coisa, modelá-la conforme alguma necessidade ou interesse. É representação, encenação. Daí também se origina, cumpre salientar, o termo “ficção”.
Atores de uma grande trupe no dramalhão da tropicalíssima existência, encenamos diuturnamente papéis a nós designados por esta e aquela situação. Fingimos normalidade diante das atrocidades do mundo, assim como fingimos horror diante de certas cenas que, em nosso íntimo, julgamos normalíssimas. Fingimos simpatia por antipáticos e desprezo por aqueles que, sem correspondência, amamos.
Finge-se interesse pelos papos mais chatos, respeito pelas decisões mais estapafúrdias, tolerância diante de intolerantes e temperança diante de destemperados. Há choro fingido como há riso fingido. Fingimos que está tudo bem. Que perdoamos. Que esquecemos.
Fingimos nos compadecer com o sofrimento alheio. E se fingimos dor, também fingimos prazer. Agorinha mesmo, nesse exato momento em que você lê essas mal-traçadas, silente leitor, uma dona de casa finge o orgasmo que apenas sonha existir.
Desgraçado é o homem que, em sua existência, conhece somente o fingimento. Que a nada admira de verdade, que com nada se emociona fundamente. Que não conhece o amor sincero, a amizade sincera. Mas mesmo a amizade e o amor verdadeiros imprescindem de algum grau de virtuosa dissimulação. O sincerão total é, portanto, impossível.
Trato aqui de uma “dissimulação honesta”, sobre a qual refletiu um italiano de nome Torquato Accetto, morto há dois pares de séculos. O fingimento a que me refiro é, pois, este: mais uma questão de civilidade, talvez de prudência, quem sabe de algum senso de preservação, sua e do próximo, do que de maquiavélicos interesses subterrâneos.
A arte de fingir é, em suma, a arte de viver, conviver e sobreviver.