A vaca

Por Wendell Guiducci

Ele deve ter sentido o cheiro de sangue. Ou de líquido amniótico. Daí a forte guinada para a esquerda quando subíamos a ladeira. Deu um arranco na guia e foi farejar a cerca. Por entre os arbustos pude vislumbrar os quartos da vaca esparramada no chão, bolha viscosa vulva afora. Estava em trabalho de parto. Deve ter se assustado com a presença do cachorro, que não latiu, então se levantou e caminhou para longe da cerca.
Acompanhei seu movimento ainda por alguns minutos. Depois decidi subir para casa. Tem uma vaca parindo ali do lado, anunciei depois de soltar o cachorro no quintal. E fomos todos observá-la da varanda. Ela estava sofrendo contrações. Deitava. Levantava. Sempre observada de perto por meia dúzia de outras vacas. Um boi, magro feito flagelado, pastava ao longe. Sororidade vacarina, pensei.
Ficamos por algum tempo ali observando aquele pequeno milagre de renovação da natureza, depois fomos cada um dar um jeito na vida. Era sábado de manhã e cada qual tinha seus afazeres. O parto de uma vaca demora um tempo, eu disse, sem detalhar muito daquilo que pouco entendo. Passada uma hora, Beatriz gritou: nasceu o bezerrinho!
Eu larguei o que estava fazendo, a Sra. Guiducci idem e nos reunimos na janela, de onde a vista era mais favorável. O bezerro já caminhava perto da mãe, agora sem a companhia das demais vacas, que haviam se deslocado para outra área do pasto. Era um bezerro preto e tinha as patas traseiras brancas, como se usasse meias. A mãe ia lentamente, cansada, mas ciente de seu trajeto. O filhote ia atrás, trôpego, respirando a inestimável pureza da vida que se iniciava.

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka. Instagram: @delguiducci

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