Chance de viver
Milhares de pessoas estão na fila de transplante, mas isso só será possível se a própria comunidade se conscientizar da importância da doação, o que exige um amplo e permanente debate sobre o tema
No dia considerado data Nacional de Doação de Órgãos há muito que comemorar, mas um vasto caminho a ser percorrido para mudar a concepção de uma expressiva parcela da população sobre o tema. Na edição desta quarta-feira, a Tribuna mostra que somente em Minas Gerais a fila de espera é formada por mais de 6 mil pessoas aguardando por um transplante, de acordo com o boletim de agosto do MG Transplante. São 2.992 pessoas precisando de um rim, 3.228 de córnea, 21 de coração e seis de pâncreas neste momento.
A repórter Elisabetta Mazocoli foi às ruas e ouviu depoimento de pessoas que receberam a doação e o que isso significou em suas vidas. Foram depoimentos comoventes que devem servir de base para uma discussão mais profunda sobre a doação de órgão, que ainda enfrenta resistência por diversas razões. A necessidade de se discutir o tema tornou-se prioridade, pois a fila cresce em proporções geométricas em todo o país.
Um dos passos é a discussão do tema em diversas frentes, a começar pela rede escolar. A conscientização pela escola é promissora, pois os próprios alunos são multiplicadores quando devidamente esclarecidos. A implementação de campanhas – sobretudo agora com as redes sociais – é uma ferramenta importante. O apresentador Fausto Silva, que recebeu um coração há cerca de um mês, se apresentou como um voluntário para esse chamamento. Além dele, outros personagens devem ser convidados a participar do mesmo projeto.
É fato que não se trata de uma pauta simples. Há posições arraigadas pelo próprio tempo, fruto não apenas do desconhecimento, mas também por outros fatores, inclusive religiosos, que devem ser levados em conta. Todos esses personagens devem ser ouvidos para expor suas posições e, ao mesmo tempo, convidados a discutir a profundidade do tema.
Há no Congresso um projeto que muda o conceito de participação. Se antes o doador tinha que dizer sim, a proposta, ainda em discussão, inverte o foco: agora é preciso dizer não, caso contrário, a doação é tácita, isto é, todos se tornam doadores até que digam o contrário.
Em alguns países essa prática já foi implantada com sucesso, mas é preciso levar essa matéria também para instituições além do Parlamento, a fim de ampliar o engajamento. Só com conscientização coletiva será possível cobrir a imensa fila de pessoas à espera de um órgão.
Como aponta a própria reportagem, Juiz de Fora é uma cidade com várias unidades hospitalares com vasta experiência de transplante. Neste semana mesmo, o guia turístico Ricardo Medeiros, que estava na fila para recepção de um rim há nove anos, foi surpreendido pela chegada um helicóptero do Corpo de Bombeiros quando estava no alto do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (pura coincidência), que o transportou para a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora. Sua espera tinha terminado.
Assim como ele, outros milhares de personagens esperam uma doação para retomarem a normalidade de suas vidas e obter a chance de viver.