Everton Martins Gomes, de 29 anos, cresceu com mĆŗsica em casa. Seu pai, Valtenio Arcanjo Gomes, capoteiro, sempre foi conhecido por ser eclĆ©tico, escutando desde reggae atĆ© jazz e mĆŗsica eletrĆ“nica. Dentro de suas possibilidades, Everton conta que o pai foi uma espĆ©cie de discotecĆ”rio. Trazia para o filho discos piratas cheios de novidades, que eram recebidos como se contivessem um novo mundo a ser explorado. TambĆ©m foi ele que deu para o filho, ainda crianƧa, um pianinho de oito teclas para o filho brincar de mĆŗsica, e mais tarde um violĆ£o que aprendeu a tocar com revistinhas de instruĆ§Ć£o. Da mesma forma, sua mĆ£e, Nanci Martin Gomes, que trabalha com serviƧos gerais, Ć© cantora e alguĆ©m que ele reconhece ter um grande conhecimento de mĆŗsica. Essas primeiras influĆŖncias, como explica, acenderam nele a vontade de seguir um caminho que trilha hoje, trabalhando como produtor, DJ e compositor. Conhecido como Ever Beatz, estĆ” sempre buscando novidades que o faƧam sentir esse deslumbre quase de crianƧa, que agora vem a partir de muita pesquisa e sintonia com o que mĆŗsicos do mundo inteiro estĆ£o fazendo. “Ter uma mĆŗsica nova Ć© o suficiente para descobrir mil coisas”, conta.
AlĆ©m das referĆŖncias em casa, a trajetĆ³ria de Everton tambĆ©m foi muito impactada quando descobriu, na oitava sĆ©rie, por meio do amigo Wellington Novaes, vulgo Mariel, um programa de computador atravĆ©s do qual era possĆvel produzir funk. “Foi engraƧado, porque eu tinha um preconceito com funk, pela religiĆ£o da minha famĆlia, e a gente nĆ£o se relacionava muito com as letras de funk. Mas eu gostava da batida”, relembra. Aquilo foi o suficiente para que ele comeƧasse a entender esse ritmo, gostando das letras e de tudo que o funk trazia, fazendo com que ele tambĆ©m passasse a consumir e produzir esse gĆŖnero.Ā Do mesmo amigo, tambĆ©m ganhou um disco dos Racionais e comeƧou, entĆ£o, a se interessar tambĆ©m por rap. Foi justamente em um encontro de MCs que vendeu seu primeiro Beat, para Everton Souza, o Hattori. “Foi assim que conheci a cultura hip hop de Juiz de Fora. Eu jĆ” produzia mĆŗsica, mas quando comecei a produzir rap, foi a primeira vez que estava produzindo junto de uma cena cultural, e entĆ£o comecei a me sentir inserido”, conta.
Ele tambĆ©m produz eventos em Juiz de Fora, junto com o Coletivo PancadĆ£o de Som e KaĆ“ Funk. Essa Ć© uma forma, como explica, de conseguir um lucro maior e tambĆ©m de ter mais liberdade para tocar o que quer, em eventos nos quais tambĆ©m gostaria de estar. Desde que comeƧou, reconhece um esforƧo tĆ©cnico claro para melhorar e se especializar, conseguindo “produzir com mais objetivo” e alcanƧando resultados. “Ć engraƧado, porque acho que quando vocĆŖ comeƧa a produzir mĆŗsica do zero, vocĆŖ tem uma inocĆŖncia muito pura. VocĆŖ produz mĆŗsica sĆ³ pra expressar o que estĆ” sentindo ou seguindo algo que ouve e gosta”, explica. Confessa que atĆ© sente falta de uma Ć©poca em que era apenas assim: “Isso atĆ© me dĆ” uma nostalgia, porque vocĆŖ nĆ£o tem a ideia de mercado ou a pressĆ£o de produzir algo. Mas com o tempo, vai substituindo aquela inocĆŖncia por uma vontade mais consciente de inovaĆ§Ć£oā.
Sendo assim, o prazer com a mĆŗsica nĆ£o desapareceu – foi mudando, se ampliando e sendo dividido. O que mais gosta, ainda, Ć© fazer como quando era pequeno, descobrindo aqueles CDs tĆ£o diferentes. Encontrar algo novo, que se destaque, que venha de um lugar cultural inovador e que possa compartilhar com os outros. Quando consegue levar isso nos shows ou entre amigos, e vĆŖ que eles sentem esse fascĆnio, se diverte de verdade.Ā
Cena cultural, encontros e percepƧƵes
Estar inserido em uma cena cultural foi definidor para Everton. “Se vocĆŖ sĆ³ fica dentro do seu quarto, nĆ£o vai ter o toque de realidade de ver as pessoas reagindo Ć sua mĆŗsica. E vocĆŖ pode fazer a mĆŗsica mais complexa teoricamente do mundo, e isso nĆ£o vai querer dizer que as pessoas vĆ£o reagir”. Para ele, Ć© uma mudanƧa de perspectiva que sente tambĆ©m quando se tornou DJ, a partir da necessidade de ajudar o amigo Marte MC ou quando foi consumindo mais mĆŗsica eletrĆ“nica. “A troca muda tudo, muda a gente, muda como enxergamos”, diz. Ć por isso que suas referĆŖncias tambĆ©m sĆ£o pessoas com trabalhos autorais, que conseguem construir seu prĆ³prio pĆŗblico e trabalham a mĆŗsica de forma honesta com seu propĆ³sito. Ele cita, por exemplo, Dj Marky, Madlib, Raffa Moreira e Badsista.
O trabalho como DJ intensifica essa experiĆŖncia, porque Ć© preciso perceber na hora como a troca estĆ” impactando quem estĆ” presente. “Tenho que ir preparado, mas sinto que a ideia de ir pra um lugar com tudo certinho e esperando tocar tudo que levou pode ser frustrante. As pessoas podem nĆ£o estar querendo aquilo”, esclarece. “As pessoas que estĆ£o ali nĆ£o podem mandar no seu set, mas tambĆ©m nĆ£o podem ser encaradas como meros ouvintes, sĆ£o ativos, sĆ£o ouvintes que reagem e Ć© preciso ler essa resposta.ā
DJ como educador musical
Atualmente, como DJ, Everton explica que tem trabalhado mais com um funk “na lĆ³gica das baladas”, que Ć© diferente do funk que rola nos bailes de comunidade e nos circuitos que estĆ£o mais no coraĆ§Ć£o da criaĆ§Ć£o desse gĆŖnero. Mas tenta sempre misturar isso com o que Ć© tocado em outras cidades, como SĆ£o Paulo ou Belo Horizonte. “Levo uma pesquisa que funciona pro pĆŗblico daqui, dialogando com o funk pop que toca nas rĆ”dios, e colocando um temperinho do funk que eu acho que Ć© o que as pessoas precisam ouvir e conhecer. Sinto que o DJ tem esse papel de educador musical”, explica.
O estigma do funk e do rap sendo tocados na rua continua. Por isso mesmo, ele entende que as pessoas que estĆ£o dedicadas a um trabalho como o dele estĆ£o criando uma proposta de educaĆ§Ć£o musical para consumir cultura, e isso Ć© mais um passo para acabar com esse preconceito. āA posiĆ§Ć£o do estado deveria sempre ser de apoiar esses movimentos e ajudar a fazer que funcionem de forma saudĆ”vel”, diz. Everton sente que Juiz de Fora ainda precisa se abrir mais para a cultura em muitos sentidos, inclusive permitindo que o funk e o rap estejam em cada vez mais lugares.
Ć por isso que, em sua visĆ£o, quando surgem propostas mais artĆsticas ou nichadas, Ć© mais difĆcil prosperar do que quando apenas se repetem propostas mais comerciais.Ā “Juiz de Fora tem muita gente fazendo arte, mas hĆ” poucas ruas que levam atĆ© essas pessoas. SĆ£o pessoas que acabam ficando escondidas em nichos pequenos. Se houvesse uma desburocratizaĆ§Ć£o e uma democratizaĆ§Ć£o da arte, poderĆamos ter mais pessoas acostumadas ao consumo de arte”, diz. NĆ£o desanima, no entanto, e continua fazendo planos para que seja possĆvel potencializar esses efeitos. “A mĆŗsica pode trazer uma perspectiva para as pessoas – inclusive uma perspectiva de felicidade”, diz.