Transtornos mentais de universitários foram agravados pela pandemia, diz estudo

Casos de ansiedade e depressão foram potencializados durante a pandemia de Covid-19, mostra pesquisa da Fiocruz


Por Bruna Furtado* *Estagiária sob supervisão do editor Wendell Guiducci

18/06/2023 às 07h03

O impacto da pandemia de Covid-19 na saúde mental dos estudantes tem sido alvo de importantes pesquisas. O Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), com participação de pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), identificou elevados níveis de ansiedade e depressão em pós-graduandos. Segundo o estudo, dentre os quase 6 mil entrevistados de todas as regiões do Brasil, 45% dos discentes foram diagnosticados com ansiedade generalizada e 17% com depressão no primeiro ano de isolamento social. Em adição, mais de 60% confirmaram crises de ansiedade e dificuldade para dormir. A falta de motivação e problemas de concentração chegaram a atingir aproximadamente 80% da amostra.

Para Lucas Nápoli, psicólogo que atua desde 2014 na área de apoio psicológico estudantil da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) – Campus Governador Valadares, a quantidade de alunos que procuram atendimento psicológico consiste em uma porcentagem pequena em comparação com os que sofrem de algum problema de saúde mental e não chegam a acessar o serviço. “Isso acontece, talvez, porque não sabem da existência, outros não procuram por vergonha, pela crença de que não vai adiantar, já outros fazem apenas acompanhamento psiquiátrico e acham que não é necessário, ficam só no medicamento. E muitas vezes os alunos acham que a assistência estudantil é só bolsa e auxílio a quem tem dificuldades socioeconômicas.”

Isolamento

Rita Suriana tem 26 anos e é mestranda em ciência da religião na UFJF. Para ela, a pandemia agravou um quadro de adoecimento mental que se iniciou conforme avançava em seus anos de graduação. Após concluir o bacharelado, ela ingressou na licenciatura e se formaria em 2020, mas logo os planos tiveram que mudar.

Precisando estagiar em escolas como requisito fundamental para formar, tudo foi suspenso na pandemia. Foi quando a estudante decidiu aproveitar o lapso de tempo e construir seu projeto de pesquisa do mestrado, e em 2021 ingressou no programa, sem ter se formado na licenciatura. “O processo de ingresso no mestrado foi o pior. Precisei trocar o meu tema de pesquisa, pois ele envolvia trabalho de campo em aldeias indígenas e não obtive autorização de acesso por conta da pandemia. Nesse período comecei a ter crises de ansiedade.”

Aulas remotas

A permanência do aluno no cenário de aulas remotas também foi um desafio observado na prática pelo psicólogo Lucas Nápoli. Dentro da sua escuta, ele identificou a queixa sobre a dificuldade de se engajar no novo formato de ensino, que era extenuante e conflitivo para os alunos. “Não me adaptei ao cenário de aulas remotas, e sempre que eu pensava sobre o curso eu apresentava sintomas de ansiedade. Fui jubilada da licenciatura faltando quatro disciplinas para a conclusão. Precisei solicitar a dilatação do mestrado por quatro meses para tentar finalizá-lo”, conta Rita.

Para Ana Paula Cassimiro, 40 anos, estudante do segundo ciclo em ciências sociais, a pandemia atrapalhou sua concentração e desempenho nas matérias. “Me acho incapaz de seguir com o curso, sinto que já estou há muito nesse círculo sem conseguir sair do lugar, fico ansiosa e não consigo concluir minhas atividades.”

Insegurança socioeconômica já desgastava discentes

Contudo, não é somente a pandemia que produziu cenários de risco à saúde mental de universitários. Antes dela, preocupações socioeconômicas já existiam e geravam preocupação. No relato de Lucas Eduardo Silva, 33 anos, estudante de doutorado na UFJF, o adoecimento mental se apresentou entremeando o processo de entendimento de que as necessidades materiais da vida adulta eram desconcordantes com a alta demanda de exclusividade de tempo para sua pesquisa de mestrado. “São muitos os desafios enfrentados por estudantes, servidores técnico-administrativos e professores, porque juntamente do acadêmico, segue-se a vida particular, seguem-se as lutas políticas, segue-se o quadro econômico do país e tudo é imperativo.”

Rita também se deparou com o problema. Ao entrar no mestrado, não tinha certeza se a bolsa seria paga durante todo o período da pesquisa, o que gerou grande insegurança, abalando seu psicológico. “Acho que não tem como a gente produzir ciência e se dedicar a uma pesquisa se não conseguirmos viver antes. A bolsa estava sem reajuste desde 2013 e o seu valor absolutamente defasado, não era suficiente nem mesmo para que pudéssemos sobreviver”.

Relatos de estudantes de graduação e pós-graduação, nesse sentido, são cada vez mais comuns, e abrem debate acerca de como os paradigmas sobre educação na sociedade corroboram para o adoecimento mental no ensino. “Tenho a sensação de que a comunidade externa à universidade não tem uma noção sincera da realidade dos estudantes, noção essa que foi agravada pela quantidade de notícias falsas e de ataques direcionados ao ensino público superior nos últimos anos”, desabafa Rita. “Em diversos momentos fui questionada sobre se eu ‘apenas’ estudava, que a vida estava boa, pois estava recebendo bolsa para ficar em casa, dentre outras falas que claramente não condiziam com a realidade.”

Desse modo, na avaliação de estudantes e profissionais, a oferta de escuta psicológica ativa é imprescindível e pode fornecer importante apoio e prevenção. Atualmente, como alternativa, o Grupo “DeBoas” da UFJF é uma estratégia desenvolvida pela Pró-reitoria de Assistência Estudantil para auxiliar no manejo de sintomas de ansiedade a partir de uma abordagem psicoeducativa. O programa pode ser conhecido neste link.

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