Legislando em causa própria

Projeto de Lei aprovado pela Câmara deve ser revisto no Senado, não apenas pela repercussão nas ruas, mas também por causa de seu conteúdo


Por Tribuna

16/06/2023 às 07h00

O projeto aprovado pela Câmara Federal, de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), criminalizando atos de discriminação contra parlamentares, tem um forte viés corporativista e é mais um tiro no pé, sobretudo pelo conteúdo e pela forma como passou pela Câmara, votado às pressas, sem discussão adequada e, praticamente, sem conhecimento da população. A parlamentar, filha do ex-deputado Eduardo Cunha, um dos alvos da Lava Jato, entre os vários argumentos, destacou os danos aos políticos em espaços públicos, como praças, aeroportos e locais de evento. Quem ousar a crítica, agora, será punido em lei.

Ela argumenta que a meta também é combater a corrupção, sobretudo quando se fala em pessoas politicamente expostas, que precisam de proteção. A atual legislação estabelece limites; a proposta da parlamentar fluminense amplia as proteções e, ao contrário do que a deputada propõe, está sendo vista como um fator de blindagem dos políticos.

Ao dizer que desconhece a lei aprovada pela Câmara dos Deputados, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, dá pistas de que, na Casa de revisão, a conversa será outra, sobretudo diante da repercussão negativa. Mas, na própria Câmara, há resistência, mesmo após a aprovação definitiva da matéria. De acordo com a “Folha de São Paulo”, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) vai apresentar um projeto estabelecendo que a regulação sobre as Pessoas Políticamente Expostas (no Brasil são quase 99 mil) volte a ser normatizada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Pelo projeto da deputada, a responsabilidade sobre a normatização das PEPs é do Legislativo, o que pode ser interpretado como legislar em causa própria.

A matéria pecou mais pela forma do que pelo conteúdo, já que não foi permitido um debate mais profundo sobre o seu teor. O entendimento da deputada é seguido pelo quórum que aprovou o texto, mas seria importante que outros setores também tivessem sido chamados à discussão. A votação no final da noite soou como algo estranho, próprio de matérias aprovadas sem o conhecimento público.

A discussão no Senado deve ser outra. Somado ao desconhecimento dos senadores – a começar pelo presidente que não conhece o texto -, a reação pública terá forte apelo numa Casa que, por prerrogativa, pode revisar propostas aprovadas pela Câmara. E é o que se espera, pois o texto não reforça em nada o combate à corrupção, como foi sustentado, e ainda reforça a percepção das ruas de que os políticos querem situar-se num universo à parte, embora uma das primeiras considerações da legislação brasileira seja a de que todos são iguais perante a lei.

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