Pode ser que um dia eu não seja mais capaz de subir em um pé de jambo. Pode ser que eu viva tanto a ponto de não poder atirar, lá do alto, algumas frutas de aroma cor-de-rosa para um primo plantado no chão, que as vai apanhando uma a uma e colocando em uma sacolinha ordinária de supermercado, cuidando para que não machuquem.
Não há como saber se chegarei lá, mas pode ser que um dia eu não seja mais capaz de botar a escada para limpar do telhado as folhas do outono, e então precisarei de um jovem disposto a fazer o serviço por mim, mediante pagamento em espécie ou por piedade, e seja em uma ou outra situação, sentaremos depois para beber café e eu poderei contá-lo como era o mundo antes dele.
Pode ser que chegue esse dia em que minhas mãos não se fechem em torno de um copo de cerveja, de um guidão de bicicleta, de uma cintura de mulher com a firmeza necessária para que eu mate minha sede, para que eu colha o vento em veredas sinuosas, para que eu expresse meu amor.
Se chegar esse dia, em que eu não seja mais capaz de amarrar os meus próprios sapatos e dependa de confortáveis tênis elásticos, e não possa mais esfregar os olhos contra os faróis de outros carros na noite pretíssima de uma estrada qualquer, e não tenha a discreta força de carregar o lixo desde o quintal até a caçamba na rua, nesse dia eu chorarei a saudade dessas coisas invisíveis, vulgares e tão, tão belas.
As coisas banais