Escola Normal: antes cadeia, hoje escola
Na segunda reportagem da série em comemoração ao aniversário de Juiz de Fora, ex-aluno e professor contam as histórias da Escola Normal
Até 1928, quando se chegava a Juiz de Fora pela Estrada União Indústria, um dos primeiros edifícios a ser visto era o de uma cadeia pública, que se colocava imponente no encontro das ruas Espírito Santo com a XV de Novembro, hoje Avenida Getúlio Vargas. Essa visão, no entanto, com o tempo, passou a desagradar tanto os moradores quanto aqueles que chegavam à cidade na época, sobretudo na medida em que Juiz de Fora ganhava, cada vez mais, ares de “Manchester mineira”. Guiando-se nessa perspectiva de evolução industrial, nada como uma escola, o espaço para o futuro, para fazer jus ao apelido dado à cidade mineira que se industrializava, sendo ela, então, a dar as boas-vindas. O prédio da cadeia pública foi totalmente demolido – não ficou dele nenhum resquício – para dar lugar à Escola Normal, em uma construção ainda mais majestosa que faz parte do complexo histórico que se firma ao redor da Praça Antônio Carlos. Atualmente, a instituição recebe o nome de Instituto Estadual de Educação de Juiz de Fora, sendo uma das maiores da cidade.
Ex-aluno da instituição, Matheus Teutschbein, hoje, é professor de História e, em sua trajetória, se pôs a pesquisar o contexto de criação da Escola Normal. As obras para sua construção começaram em 23 de julho de 1928, a partir do decreto do presidente do Estado de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, de 18 de fevereiro daquele ano. A inauguração aconteceu em 14 de agosto de 1930. O projeto da obra foi assinado por Lourenço Baeta Neves, em estilo Art Déco, e executado pela Companhia Industrial e Construtora Pantaleone Arcuri, responsável por outros importantes prédios históricos da cidade. Já a pintura ficou a cargo do italiano Ângelo Bigi. Sabe-se, de acordo com as pesquisas, que as cores da fachada eram, na época, em tons de cinza, enquanto dentro predominava o verde claro e o bege. Para além da estrutura chamativa, o prédio se gabava ainda por ser um dos únicos a conter um elevador na cidade.
Com o tempo, a Escola Normal foi sendo palco de mudanças tanto em sua estrutura quanto no sistema educacional, o que, inclusive, impactou no próprio nome da instituição. Em 1970, uma das três torres que compunham a fachada foi demolida para dar passagem à Avenida Independência, hoje Presidente Itamar Franco. Mas foi a transformação de 2002 que não saiu mais da cabeça do professor Linhares, que lecionou na instituição por 30 anos, até quando se aposentou, no ano passado. Naquele ano, a escola passou por uma reforma global, que contou com a restauração da fachada tombada desde 1990, com a ampliação de salas e com a construção de um anexo, bem como a implementação de uma quadra poliesportiva. É a inauguração dessa reforma o momento inesquecível do professor nessas três décadas dedicadas ao espaço. Isso porque ele sentiu a comprovação do que já trazia há um tempo: “Por mais clichê que possa parecer, é isso mesmo: somos uma grande família”.
Entre mistérios e afeto
Apesar de não ser natural de Juiz de Fora, a Escola Normal já atraía os olhares do professor de Ciências Biológicas e Biologia. “Trata-se de uma escola que sempre foi muito visada tanto pelos alunos quanto pelos professores”, admite. Para ele, é essa forma de se impor que faz com que tantos olhos sejam atraídos a ela, na tentativa de descobrir os mistérios que aquele prédio abriga há mais de 90 anos. Ele, tanto tempo depois, ainda se mostra admirado em desvendar os pequenos detalhes sobretudo internos, como conta: as releituras dos quadros que ocupam as paredes, como um que mostra a Escola Normal em um terreno amplo, sem nada em volta, observado por uma mulher do alto; os ladrilhos hidráulicos que desenham o chão; a escadaria em mármore que não pode ser usada pelos alunos (e, por isso, apresenta-se fascinante); o novo elevador em substituição ao primeiro da cidade; a placa que diz: “Aqui houve uma prisão. Hoje há uma escola”. Essas marcas acabam sendo resquícios de uma história que é contada pelo próprio prédio. Linhares, por exemplo, sabe, sim, que um dia uma prisão existiu ali, principalmente por causa da placa, mas nada ao certo a ponto de garantir essa existência. O que sabe, ouviu de outros professores que se colocam na missão de preservar essa memória e, de alguma forma, repassá-la para os alunos.
Fato é que, nesse tempo, Linhares descobriu o que parecia impossível: um lugar sereno, quase sem barulho, que parece se colocar a distância da escola. Acostumado ao espaço, ele faz quase um ritual assim que se coloca diante dele: abre a grande porta, as janelas, arruma as cadeiras desalinhadas e senta-se na maior delas, em um ponto alto, de frente para a pintura de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada que, conforme uma lenda da escola, levanta-se de vez em quando, da mesma forma que um piano, que também permanece por ali há tempos, e tocaria sozinho por vezes. Ali, no Salão Nobre, um de seus lugares favoritos, ele se põe a refletir sobre essa trajetória e o que deixa e carrega da Escola Normal. E afirma: “História é o que não falta”.
Ser um dos professores que mais tempo lecionou na Escola Normal garante-lhe alguns orgulhos, como ser lembrado nas ruas, mencionado nas memórias. Quando foi preciso dizer adeus a isso, o que mais o incomodou foi a perda do calor que sentia ao pisar no hall também de mármore diariamente. “Eu amo isso aqui. Essa beleza. Esse lugar.” Ama tanto que, apesar da aposentadoria, acaba fazendo visitas à escola: gosta de ficar por dentro do que acontece por apego, costuma almoçar, às vezes, em um restaurante que tem ao lado por hábito. “São os costumes o que eu mais sinto falta”, confessa. Ao mesmo tempo, pensa que a vista da escola para a cidade é bem bonita, tanto no visual, que entrega a Praça Antônio Carlos (hoje, em obras), quanto no que a Escola Normal deixa para Juiz de Fora: uma educação de qualidade, oferecida dentro de um prédio histórico, que se espalha pelo concreto da ainda Manchester mineira.